Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Fernando Henrique Cardoso<br />
No tormento enorme da responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar sobre o homenageado<br />
procurei ler, reler, on<strong>de</strong> possível e <strong>de</strong>ntro das minhas limitadas possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> tempo, o que foi escrito por ele ou sobre ele. E <strong>de</strong>ntre os muitos textos<br />
lidos voltei a algumas conferências que Nabuco proferiu nos Estados Unidos,<br />
notadamente uma em Yale. E quase <strong>de</strong>sisti <strong>de</strong> vir aqui. Quase <strong>de</strong>sisti porque<br />
era fácil perceber o cuidado que Nabuco tinha para preparar as suas falas, em<br />
qualquer lugar, nos Parlamentos, nos comícios, na campanha abolicionista,<br />
mas sobretudo nas universida<strong>de</strong>s. E da sua pena, da sua voz, saíram obras literariamente<br />
perfeitas. Mais do que isso, o raciocínio <strong>de</strong>le fluía cartesianamente.<br />
E sempre envolto por palavras bem escolhidas, com uma lógica que convencia<br />
e uma maneira <strong>de</strong> escrever que seduzia. A tal ponto que, na conferência que<br />
fez sobre Camões, em Yale, fiquei fascinado. Primeiro, ele traduziu, verteu<br />
para o inglês – ele próprio, ele mesmo – poemas <strong>de</strong> Camões – que mais tar<strong>de</strong><br />
foram publicados no Brasil. Teve o cuidado <strong>de</strong> fazer o que todos os oradores<br />
que são bons na relação com o auditório sabem fazer: escolheu um jovem<br />
americano, <strong>de</strong> um professor amigo, para que lesse os poemas que ele havia<br />
vertido. Com isso fazia pausas, quebrava a monotonia da fala. Isso mostra<br />
seu cuidado extraordinário ao falar. Não só tinha uma cultura basicamente<br />
francesa como tinha domínio do inglês, meu Deus, que inveja! Nós que somos<br />
obrigados a falar, e mal, em várias línguas, sabemos como é difícil falar bem<br />
– escrever, nem se fale – numa língua estrangeira. Pois isso era Nabuco. Fazia<br />
tudo isso com muita competência.<br />
Portanto, não dispondo dos dotes <strong>de</strong> Nabuco eu lhes dirijo a palavra, realmente<br />
com ousadia, e também com uma certa vaida<strong>de</strong>. Todo mundo diz que<br />
eu sou vaidoso; reconheço a vaida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser ouvido aqui nesta sala.<br />
Mas essa não foi a razão que me trouxe aqui. Seria ridículo. A razão foi,<br />
não só o convite amável, como a admiração, que sempre senti, por Nabuco.<br />
Ainda era aluno da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, lá se vão muitos anos, no começo<br />
dos anos 50, 51, 52, eu ainda não era nem professor assistente e trabalhava<br />
numa pesquisa dirigida por Roger Basti<strong>de</strong> e por Florestan Fernan<strong>de</strong>s sobre<br />
as relações raciais entre negros e brancos. Mais tar<strong>de</strong> eu próprio fiz pesquisas<br />
sobre o tema no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Mas muito antes disso, quando<br />
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