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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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A poesia do Narciso <strong>de</strong> Apipucos<br />

objetivida<strong>de</strong> – isto é, <strong>de</strong> renúncia ao eu e ao íntimo em benefício do objeto e<br />

do mundo exterior – terá influído po<strong>de</strong>rosamente em numerosos corações e<br />

mentes, numa ocorrência similar à que foi protagonizada por Gertru<strong>de</strong> Stein,<br />

que, em Paris, em algumas décadas do alvorejar do século xx, converteu o seu<br />

apartamento parisiense da 27, rue Fleurus, num dos mais célebres e fecundos<br />

laboratórios <strong>de</strong> invenção e experimentação literária e estética.<br />

Do comércio com Amy Lowell, Gilberto Freyre – que a relembra <strong>de</strong> forma<br />

tão enternecida em vários passos <strong>de</strong> sua obra – herdou um legado precioso:<br />

o sentimento da imagem, uma arte <strong>de</strong> ver expandida, até a hipertrofia, uma<br />

<strong>de</strong>streza ou sabedoria no registro dos seres e paisagens circundantes. Poesia:<br />

arte <strong>de</strong> ver e <strong>de</strong> saber ver.<br />

Numa personalida<strong>de</strong> artística e cultural tão po<strong>de</strong>rosa como a <strong>de</strong> Gilberto<br />

Freyre, a lição <strong>de</strong> Amy Lowell não seria única ou exclusiva. Em sua vasta obra<br />

– que é ao mesmo tempo uma obra <strong>de</strong> cientista e excepcional ou talvez ou<br />

<strong>de</strong>certo genial artista literário, e na qual se fun<strong>de</strong>m tantos ramos do conhecimento<br />

humano, conferindo-lhe o teor <strong>de</strong> ambiguida<strong>de</strong> e pluralida<strong>de</strong> que é um<br />

<strong>de</strong> seus encantos e seduções – nessa obra tão vária e tão opulenta e ondulante<br />

outras influências e afinida<strong>de</strong>s enriquecedoras po<strong>de</strong>m ser encontradas – as <strong>de</strong><br />

seus mestres no plano sociológico, como Franz Boas; as <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ólogos revolucionariamente<br />

conservadores e intransigentes nesse conservadorismo, como<br />

é o caso <strong>de</strong> Charles Maurras; a dos irmãos Gouncort, que <strong>de</strong>positaram na<br />

mente do jovem e curioso estudante outra lição magistral: a da exploração dos<br />

pequenos fatos e inci<strong>de</strong>ntes, do <strong>de</strong>talhe iluminador e da histoire vraie.<br />

Esse minuciosismo, que aliás muito <strong>de</strong>ve ao memorialismo ficcional <strong>de</strong><br />

Marcel Proust e às explosões estilísticas à maneira <strong>de</strong> Michelet, percorre toda<br />

a obra <strong>de</strong> Gilberto Freyre, mestre na arte <strong>de</strong> exercer uma inteligência esmiuçadora<br />

e interrogar os seres e as coisas, não através da visão das integrida<strong>de</strong>s e<br />

totalida<strong>de</strong>s, e sim pelo caminho das parcialida<strong>de</strong>s e fragmentações, dos indícios<br />

reveladores e das significações curiosas. Esse lado Goncourt <strong>de</strong> Gilberto<br />

Freyre é tanto mais singular se levarmos em conta que ele não trouxe para<br />

a sua obra o style tarabiscoté dos famosos irmãos, tão chegadiços a chinesices,<br />

japonesices e bizantinices. Aliás, o bizarro estilo artístico que os caracteriza<br />

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