Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Ricardo Vieira Lima<br />
“Quase uma sonata”, o eu lírico dirige-se à amada: “É música o rigor com que<br />
te moves / à fluída superfície do mistério” (p. 71), como a prepará-la para a<br />
morte (“o mistério”):<br />
Espaço e tempo são teu solo. E colhem,<br />
não tanto a luz que entornas, mas o pólen<br />
com que ela cinge e arroja as coisas mortas<br />
além da espessa morte que as enrola. (p. 71)<br />
Em sua fantasia erótica, por fim o poeta imagina a amada nua, imersa no<br />
mar, símbolo da vida e da morte. Compara-a, então, ao próprio mar, mas,<br />
neste símile, a mulher, envolta em música, transcen<strong>de</strong> o símbolo:<br />
É música o silêncio que te cobre<br />
quando lampeja à noite tua nu<strong>de</strong>z,<br />
em franjas <strong>de</strong>rramada sobre o leito<br />
das águas, on<strong>de</strong> as algas te incen<strong>de</strong>iam<br />
porque semelhas, mais que o mar profundo<br />
o intemporal princípio e fim <strong>de</strong> tudo. (p. 71)<br />
Embora não transcenda a morte, esse sentimento <strong>de</strong> perda, que agora domina<br />
o poeta, continua em “Epitáfio”:<br />
De tua história, nada;<br />
ou tudo, se quiseres:<br />
entre uma e outra data,<br />
a fábula <strong>de</strong> seres<br />
(...)<br />
o amor, vale dizer:<br />
sua forma álgida e rara,<br />
avessa à coisa amada<br />
– e, súbito, colher<br />
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