Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Ricardo Vieira Lima<br />
Quero esquecê-los. Não posso:<br />
andam sempre à minha roda,<br />
sussurram, gemem, imploram<br />
e erguem-se às bordas da aurora (p. 140)<br />
em busca <strong>de</strong> quem os chore<br />
ou <strong>de</strong> algo que lhes transforme<br />
o lodo com que se cobrem<br />
em ravina luminosa. (p. 141)<br />
Opera-se a transfiguração: ao rememorar seus familiares, o poeta transforma<br />
o lodo (esquecimento) que cobria os mortos em ravina luminosa (acolhida,<br />
reconhecimento), sendo que a ravina <strong>de</strong> que fala Junqueira é, em verda<strong>de</strong>,<br />
seu próprio texto poético.<br />
O poeta começa a driblar a morte. É uma mudança <strong>de</strong> perspectiva, que se<br />
completa quando Ivan resolve refletir sobre a arte. Segundo Christina Ramalho,<br />
autora do estudo, até o momento, mais abrangente sobre a poética<br />
junqueiriana,<br />
“A sabedoria (...) residirá na aceitação tácita do ciclo da vida, no qual o<br />
valor da matéria se extingue e somente o po<strong>de</strong>r da memória poética po<strong>de</strong> se<br />
fazer oração, ladainha, canto <strong>de</strong> sagração e perpetuação lírica dos mortos.<br />
(...) Como sagrar os ossos é sagrar a própria vida neles contida por meio do<br />
recurso lírico e da memória residual faz-se mister a revisão metalinguística<br />
da própria poesia e da missão do poeta.” 8<br />
Essa revisão tem início a partir <strong>de</strong> “Poética”, texto em que Ivan Junqueira<br />
repensa a arte:<br />
8 Ramalho, Christina. Fênix e harpia: faces míticas da poesia e da poética <strong>de</strong> Ivan Junqueira. Rio <strong>de</strong> Janeiro: <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong><br />
<strong>Brasileira</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, 2005, pp. 71-72.<br />
142