Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Antonio Maura<br />
juventu<strong>de</strong> perdida, <strong>de</strong> seus amores apaixonados e ternos, sonhadores e passionais.<br />
E, <strong>de</strong> repente, na sala emu<strong>de</strong>cida e expectante, entoava o canto épico do<br />
poeta e exaltava sua missão:<br />
¡Torres <strong>de</strong> Dios! ¡Poetas!<br />
¡Pararrayos celestes<br />
que resistís las duras tempesta<strong>de</strong>s,<br />
como crestas escuetas,<br />
como picos agrestes,<br />
rompeolas <strong>de</strong> las eternida<strong>de</strong>s!<br />
[Torres <strong>de</strong> Deus! Poetas!<br />
Para-raios celestes<br />
que resistis às duras tempesta<strong>de</strong>s<br />
como cristas secas<br />
como picos agrestes,<br />
quebra-mares das eternida<strong>de</strong>s!]<br />
A sala, toda ela, ficou <strong>de</strong> pé e começou a aplaudir o homem que anunciava<br />
“a mágica esperança” e negava a “canibal cobiça”. Havia muito tempo que<br />
ninguém recitava assim naquela sala, palavras tão rotundas, com voz muito<br />
clara e sonora. O jovem poeta explicou ao seu auditório que havia publicado<br />
aqueles poemas na Espanha, em um livro com título significativo: Cantos <strong>de</strong><br />
vida y esperanza. E não era outra sua missão naquela cida<strong>de</strong> e naquele país que<br />
irradiar a energia <strong>de</strong> seu otimismo: a América ressurgiria <strong>de</strong> suas cinzas, como<br />
uma ave fênix, e recuperaria sua voz mulata, mestiça e cafuza para “cantar<br />
novos hinos” nas “línguas da glória.” O velho que agora caminhava junto a ele<br />
escutava-o entre admirado e surpreendido. Não era que não gostasse <strong>de</strong> seu<br />
otimismo, mas <strong>de</strong>sconfiava daquela alegria: pássaro que voa <strong>de</strong>masiado veloz,<br />
que sulca as vidas e se per<strong>de</strong> a uma distância inalcançável. Que fazer então<br />
com as plumas que ficaram enganchadas na lama? Como silenciar a lembrança<br />
daqueles dias e daquelas horas? O velho procura um lenço no bolso <strong>de</strong> sua<br />
102