Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Lêdo Ivo<br />
é um dos estilos da época: o <strong>de</strong> Villiers <strong>de</strong> L’Isle Adam, <strong>de</strong>sse J-K Huysmans<br />
que o jovem Gilberto tanto admirou, <strong>de</strong> Léon Bloy, <strong>de</strong> Barbey d’Aurevilly.<br />
Selecionando as lições recebidas, e as adaptando à sua natureza espiritual,<br />
Gilberto Freyre haverá <strong>de</strong> ter sempre um estilo predominantemente coloquial<br />
e familiar, com afortunadas transgressões gramaticais – uma prosa vívida e<br />
musculosa, irrigada pela poesia.<br />
As gorduras eventuais ou ostensivas <strong>de</strong>sse estilo são gorduras bem-vindas,<br />
como as das sinhazinhas do Nor<strong>de</strong>ste que comem muito açúcar e bolo <strong>de</strong><br />
rolo, e se arredondam gostosa e graciosamente para os futuros e secretos apetites<br />
matrimoniais. Aliás, saliente-se que esse estilo, que correspon<strong>de</strong> a um uso<br />
magistral da língua, foi acoimado <strong>de</strong> chulo pelos austeros e severos cultores do<br />
idioma, cativos ao coelhonetismo e às flaubertices da então sisuda e hierática<br />
<strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Brasileira</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>.<br />
A poesia <strong>de</strong> Gilberto Freyre: posso vangloriar-me <strong>de</strong> ter sido a primeira voz<br />
a incitar o mestre <strong>de</strong> Aventura e rotina a assumir a sua condição <strong>de</strong> poeta num<br />
livro isolado. Desse incitamento nasceu este Talvez poesia.<br />
Decerto o ponto mais alto <strong>de</strong> sua prática é o poema “Bahia”, publicado<br />
pelo autor em 1926.<br />
Nesse poema, que é uma das obras-primas do Mo<strong>de</strong>rnismo brasileiro – não<br />
do Mo<strong>de</strong>rnismo apenas paulista, mas <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>rnismo mais vasto e mais<br />
matizado e que exprimiu no Nor<strong>de</strong>ste o <strong>de</strong>scontentamento estético dos jovens<br />
da década <strong>de</strong> 20 do século passado – aflora e até se escancara o Gilberto Freyre<br />
que, em e com o seu antiestilismo e em seu alegado chulismo, forjou um estilo<br />
soberbo e inconfundível. Ao celebrar a “maternal cida<strong>de</strong> gorda”, suas mulatas<br />
apetitosas e suas igrejas também gordas, ele não hesita em proclamar:<br />
eu <strong>de</strong>testo teus oradores, Bahia <strong>de</strong> todos os santos<br />
teus ruys barbosas teus otávios mangabeiras<br />
mas gosto <strong>de</strong> teus angus e das tuas mulatas.<br />
Nesses versos explosivos não freme apenas o seu <strong>de</strong>sapreço pelos escritores<br />
afervorados em castigar o estilo; também se esgueira nele, na predileção pelas<br />
38