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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Fernando Henrique Cardoso<br />

teria sentido naquele momento, naquele episódio, todo o horror da escravidão.<br />

É possível. E para quem é como eu, mais ou menos ingênuo em matéria<br />

psicológica, teria a impressão, meu Deus, <strong>de</strong> que, <strong>de</strong> fato, a partir daquele<br />

momento, o menino se revoltou. Entretanto, como é possível que alguém que<br />

é um senhorzinho <strong>de</strong> repente se tome <strong>de</strong> uma paixão arrebatadora por uma<br />

causa e se i<strong>de</strong>ntifique tanto com ela?<br />

Por coincidência, ao reler O abolicionismo, eu tinha lido um ensaio chamado<br />

Acaso, <strong>de</strong>stino e memória, <strong>de</strong> um psicanalista, Luiz Meyer, que também se entusiasmou<br />

pelos textos <strong>de</strong> Massangana e tratou <strong>de</strong> verificar melhor, do ponto<br />

<strong>de</strong> vista <strong>de</strong> alguém que penetra mais na alma humana, o que teria produzido<br />

tanta paixão em Nabuco, no ser complexo que ele foi. Luiz Meyer tomou um<br />

outro texto em que Nabuco <strong>de</strong>screve a morte da madrinha como base para sua<br />

interpretação. É um momento em que o Nabuco está absolutamente comovido<br />

pelo que aconteceu. Ele foi <strong>de</strong>spertado no meio da noite pela criadagem,<br />

todos choram. Descreve a cena comparando-a a um naufrágio, uma tragédia.<br />

Uma experiência que o tocou profundamente. E o autor continua analisando<br />

um pouco mais em <strong>de</strong>talhe. A certa altura do capítulo Nabuco diz: “O traço<br />

todo da vida é para muitos, um <strong>de</strong>senho da criança esquecido pelo homem,<br />

mas ao qual ele terá sempre que se cingir, sem o saber. Os primeiros oito anos<br />

da vida foram assim como certos sentidos da minha formação instintiva ou<br />

moral <strong>de</strong>finitiva.” Diz mais: “Só eles” – os traços da infância – “conservam<br />

a nossa primeira sensibilida<strong>de</strong> apagada. Eles são, por assim dizer, as cordas<br />

soltas, mas ainda vibrantes, <strong>de</strong> um instrumento que não existe mais em nós...<br />

Meus mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e sentimentos datam quase todos <strong>de</strong>ssa época.”<br />

Portanto o próprio Nabuco está revelando no local em que reviveu sua infância,<br />

em Massangana, ao recontar sua história, o que ele tem <strong>de</strong> mais profundo.<br />

Luiz Meyer acha que a frase que eu acabei <strong>de</strong> citar fornece um insight, uma intuição<br />

tão forte, que até parece que: “Nabuco foi freudiano avant la letre, antes <strong>de</strong><br />

Freud ter escrito. Porque efetivamente ele está se referindo a que o traço todo da<br />

vida provém daquela experiência infantil. Na verda<strong>de</strong> foi um momento dramático<br />

aquele em que Nabuco viu que seu mundo estava se acabando”. Freud tem<br />

uma frase muito parecida com o que disse Nabuco. Com uma diferença, neste<br />

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