Prosa - Academia Brasileira de Letras
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José Sarney: política e literatura<br />
– Sim, Saraminda, está <strong>de</strong>sembarcado no porto do Firmino, esperando<br />
transporte para cá. E aqui não tem caminhos para ele, é preciso abri-los.<br />
– Como é caleça, Bonfim?<br />
– É um coche <strong>de</strong> duas rodas, com uma coberta <strong>de</strong> lona, bancos <strong>de</strong> couro,<br />
para ser puxado por dois cavalos...<br />
– Eu vou ter um carro com dois cavalos?<br />
– Vai, Saraminda, com portas bordadas <strong>de</strong> ouro, com as rodas douradas.<br />
– E como vai passar nestes caminhos?<br />
– Vou mandar abrir uma estrada só para você, ninguém nela vai andar, sai<br />
<strong>de</strong> nossa casa até meu barracão. Você vai e volta, <strong>de</strong> sombrinha e vestida com<br />
essa roupa <strong>de</strong> Paris.<br />
– É mentira, Cleto, não chegou caleça. Chegou um cabriolé, coisa já fora<br />
<strong>de</strong> uso que eles remeteram para enganar você.<br />
Eles sabiam que aqui no Laurent não tinha caminho para carros puxados<br />
por cavalos. Mais do que coche, landau eu man<strong>de</strong>i buscar para Caiena, e todo<br />
mundo até hoje ouve seu trote nas ruas, puxado por uma parelha <strong>de</strong> cavalos<br />
brancos, e o povo <strong>de</strong> Caiena ia para a porta vê-lo, batia palmas e dizia: Viva<br />
Clément e o progresso <strong>de</strong> Caiena. Mas eu man<strong>de</strong>i também trazer uma ca<strong>de</strong>ira<br />
<strong>de</strong> trono para ela. Veio com o carro, e o francês não sabia. Man<strong>de</strong>i vir tudo<br />
que uma dama <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> tinha em Paris. Eu queria que ela fosse <strong>de</strong>usa. Eu<br />
gostava muito da chamada liteira <strong>de</strong> Saraminda. Uma casinha com duas janelas,<br />
uma <strong>de</strong> cada lado, com cortinas, e <strong>de</strong>ntro almofadas <strong>de</strong> veludo vermelho e<br />
franjas amarelas. Estava montada em dois caibros dourados com acolchoados<br />
nas pontas, para dar conforto aos dois homens, um na frente e outro atrás,<br />
carregando o palanquim. E eu, Cleto Bonfim, man<strong>de</strong>i buscar um ourives e<br />
man<strong>de</strong>i gravar em ouro, do lado <strong>de</strong> fora, o nome Saraminda dos dois lados.<br />
Eu fiz isso e ela não ficou satisfeita e me pediu para mandar gravar embaixo<br />
Amor <strong>de</strong> Ouro. E eu perguntei: Por que amor <strong>de</strong> ouro? E ela simplesmente,<br />
com aquela voz, me respon<strong>de</strong>u: Sou eu. E me pediu: Me beija, Bonfim. E eu<br />
beijei....”<br />
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