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A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

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verme! Mas assim era preciso! Era inevitável! O que poderia ele esperar<br />

daquela mulher, no caso que lhe faltasse coragem para repeli-la? Não lhe<br />

teria já porventura consagrado toda a sua existência? não havia feito, por<br />

amor de semelhante ingrata, todos os sacrifícios de sentimento e de caráter,<br />

que se podem exigir de um homem? E qual fora a paga de tudo isso? —<br />

Uma vileza, uma infâmia, a mais torpe das traições — a traição do amor!<br />

Oh! Era indispensável fugir-lhe para sempre! nunca mais a ver! nunca<br />

mais a amar!<br />

E, com esta resolução, todo o seu ser se abalava num calafrio de<br />

morte.<br />

Mas que diabólica fascinação exerce sobre mim aquela mulher,<br />

considerava o mísero; para que eu, mesmo no auge de meu desespero e do<br />

meu ódio, sinta por ela todo o arrebatamento do amor e toda a humilhante<br />

agonia do desejo? Que sobrenatural poder me obriga a querê-la sempre,<br />

mesmo com a consciência dolorosa da sua infâmia e com a convicção<br />

degradante da minha covardia? Inferno! Conhecer o mal, sem ânimo para fugir<br />

dele!... mas não! Custe o que custar, doa o que doer, hei de esquecê-la! hei de<br />

desprezá-la!<br />

Mas dentro, em revolta, lhe bradava o sangue:<br />

— Atende! atende, desgraçado! não te lembras que, para deixares por<br />

uma vez Ambrosina, terás de abdicar de todos os deslumbramentos do seu<br />

amor? Deixá-la, quer dizer nunca mais sentir o doce contacto daqueles braços<br />

esculturais; deixá-la, é perder o gosto saboroso daqueles beijos quentes e<br />

vermelhos; é nunca mais adormecer ao calor daquela divina carne e ao aroma<br />

daquele cabelo negro! Queres deixá-la, miserável? deixa-a, mas eugatilha ao<br />

mesmo tempo o teu revólver, porque não resistirás ao desespero de perdê-la!<br />

E, enquanto estiveres lá debaixo da terra, no pavoroso degredo do teu<br />

aniquilamento, ela, cá fora, feliz e radiante, será cortejada por uma aluvião<br />

desenfreada de apaixonados!<br />

Gabriel estremeceu, sacudiu a cabeça, procurando enxotar os<br />

pensamentos, como quem enxota um bando de corvos, e saltou da cama.<br />

Defronte dele ergueu-se o padrasto.<br />

— Então?... disse este. Estás disposto a partir?<br />

— Quando quiseres... respondeu Gabriel, abaixando os olhos.<br />

— Iremos pelo primeiro paquete que sair para a Europa.<br />

E Gaspar afastou-se, para tratar da viagem.<br />

Entretanto, na véspera desse dia, enquanto aqueles dois fugiam pela<br />

noite a toda a disparada da casa de Ambrosina, esta, depois de alguns passos<br />

pela rua de Laranjeiras, encostara-se prostrada às grades de uma chácara.<br />

Não sentia coragem para caminhar, tal era o seu estado. Tinha a cabeça<br />

oprimida por um estranho peso que a obrigava a fechar de vez em quando os<br />

olhos. As pernas negavam-se a sustentá-la e os seus pés sangravam; todo o<br />

corpo lhe pedia repouso, mas não se animava ela a sentar-se no batente de<br />

alguma porta, receosa de ceder ao cansaço e adormecer na rua. Olhava então<br />

aflitivamente para a estrada, e a desesperança de qualquer recurso, que<br />

tirasse daquela situação, arrancava-lhe lágrimas de desespero.<br />

Quando passava alguém, a infeliz escondia o rosto, envergonhada.<br />

Um trabalhador, que vinha a cantalorar com uma voz grossa de vinho,<br />

abeirou-se dela e quis abordá-la.<br />

— Olha cá! disse, limpando as barbas nas costas da mão.<br />

— Não me toque! bradou ela.<br />

E ferrou no homem tão decisivo olhar, que ele abaixou a cabeça, com um<br />

gesto de cão batido, e arredou-se resmungando:<br />

— Desculpe! supunha que era uma barca...<br />

Ambrosina rilhou os dentes, de raiva, e desatou a soluçar.<br />

Que mal havia ela feito para sofrer tanto!... Por que a sorte, a fatalidade,<br />

ou lá o que fosse, a perseguia daquele modo?... Bem sombria devia ser a<br />

estrela que velou o berço!...<br />

— No fim de contas, se não sou mais honesta, dizia consigo mesmo, só<br />

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