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A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

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Ele encostou-se a um móvel, e deixou-se arrastar por um cardume de<br />

raciocínios. — Quem seria aquela mulher tão extraordinária?... Que relação<br />

haveria entre ela e um pobre viajante, pouco conhecido em qualquer parte e<br />

inteiramente ignorado naquela cidade onde pisava pela primeira vez?<br />

Estava a fazer tais considerações, quando a porta se abriu de novo, e<br />

apareceu um homem de uns sessenta anos, acompanhado por um rapaz que<br />

trazia uma caixa na cabeça.<br />

O velho era limpo, discreto e sumamente cortês; via-se nele um desses<br />

bons servos do tempo da regência, que não sabiam aprumar-se como o criado<br />

inglês, nem sorrir maliciosamente como o francês. Foi a Gaspar e cortejou-o<br />

sem afetação e sem servilismo: fez o companheiro depor no chão a caixa que<br />

trazia, e principiou a tirar dela várias peças de roupa.<br />

— Meu amo tenha a bondade de escolher daqui o que lhe convém, disse<br />

ele, como se estivesse de muito tempo a serviço de Gaspar.<br />

Este tomou o expediente de deixar que as cousas corressem ao belprazer<br />

da fada que fazia girar a roda daquela fortuna, e escolheu a roupa de<br />

que podia precisar.<br />

O criado tomou-lhe a medida do pescoço e da cintura, e encheu uma<br />

gaveta com o mais completo enxoval de roupa branca. Em seguida, voltou-se<br />

para o rapaz da caixa e disse-lhe que podia retirar-se.<br />

Gaspar olhava para tudo aquilo, completamente intrigado.<br />

O sexagenário entregou-lhe uma carta com o dinheiro oferecido pela<br />

oriental e perguntou-lhe depois se já queria vestir-se. Passaram para a<br />

próxima saleta, que era um brinco de luxo e de bom gosto.<br />

Pois senhor meu amo, dizia o velho, a pentear a bonita barba castanha<br />

de Gaspar; estimo bem ver afinal vossemecê à testa de sua casa... Só dessa<br />

forma a minha pobre patroazinha passará uma vida menos amarga! Ela<br />

coitada, vivia tão triste, que metia dó!...<br />

Gaspar sentiu arrepios. Ia desembrulhar semelhante mistificação; mas,<br />

receoso de fazer alguma tolice, deliberou conter-se.<br />

— Então, a senhora, vivia muito triste?... perguntou ele.<br />

— É como lhe estou a dizer, meu rico amo, a pobrezinha só o que fazia<br />

era chorar e falar na próxima chegada do marido!<br />

— E esta? disse Gaspar consigo. Pois eu era esperado já por aqui?<br />

— Ainda assim, acrescentou o criado; o que às vezes a consolava era a<br />

companhia do menino, mas este foi para o colégio, e...<br />

Gaspar não se animava a dar mais uma palavra; enfim perguntou:<br />

— E ela ama muito essa criança?<br />

— Se ama o filho? Oh! meu amo, adora-o! E a graça é que o diabinho se<br />

parece deveras com ela e com vossemecê!... é como se o estivesse a ver neste<br />

momento, com aquela cabecinha muito redonda, os olhos muito pestanudos e<br />

os beiços muito vermelhos, a dizer-me:<br />

"Jacó! Jacó! olha que te bato!" E corria a bater-me nas pernas com a<br />

mãozinha fechada!<br />

E o velho, disse ainda, a limpar uma lágrima:<br />

— Que bela criança!... Não se ria vossemecê destas cousas, mas é que a<br />

gente, quando vai ficando inútil, como eu, toma um não sei quê pelas crianças,<br />

que é mesmo uma esquisitice! Fica-se tolo, babão, por aqueles diabinhos!...<br />

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