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A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

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— Cala-te! Não sabes para onde me destino!...<br />

— E o que me importa a mim o destino? Acaso tenho tido na vida alguma<br />

generosa estrela que me conduzisse para o bem?... O que posso eu temer de<br />

uma viagem, seja qual for, ao lado do homem que amo, do único que até hoje<br />

amei?... Sim, meu Gabriel, nós iremos juntos, unidos, inseparáveis, como dois<br />

amantes malditos, como os dois primeiros pecadores de amor enxotados sobre<br />

a terra!<br />

Gabriel ouvia, sem dar uma palavra.<br />

Ambrosina prosseguiu, depois de uma pequena pausa:<br />

— Quanto me alegra o que acabo de ouvir da tua boca. Se te<br />

acompanhasse teu padrasto, não pensaria eu em seguir-te; desde porém que<br />

vás só, serei tua companheira fiel, a tua doce amiga, a veladora da tuas noites<br />

de estudo, porque precisas trabalhar, trabalhar muito, e eu te animarei o<br />

esforço com todos os desvelos do meu amor. Oh! quanto me sinto agora<br />

radiante de felicidade! Já não sofro! Já não choro! Raiou-me no coração a<br />

aurora de uma nova existência... Vou nos teus braços gozas, enfim, a paz com<br />

que eu nestes últimos dias sonhava, de um lar fecundo, abençoado e casto!<br />

— Todavia, disse Gabriel, com um fundo suspiro; bem diversa da tua, é<br />

a paz por mim sonhada...<br />

— Hein? Não te compreendo!<br />

— Eu não devo continuar a existir... Adeus. Se algum dia...<br />

Não pôde concluir. Ambrosina atirou-se-lhe nos braços.<br />

— Vais morrer! Vais morrer, Gabriel? e é para isso que te despedes de<br />

mim!... Mas, ingrato! tens tu a coragem de abandonar-me, sabendo quanto<br />

eu te amo?! Egoísta! Vais morrer, vais descansar, enquanto eu cá fico para<br />

sofrer, para morrer todos os dias e a todos os instantes!<br />

E desviando-se dele, acrescentou:<br />

— Podes ir! Vai! Mata-te! Afinal nenhuma obrigação tens de ficar ao meu<br />

lado! Eu é que jamais devia ter contado com o teu amor! Quem me mandou<br />

ligar a ti a minha felicidade, a minha vida e todas as minhas esperanças? Vai!<br />

Vai! cá me fica nas entranhas alguém que te represente!<br />

— Que queres dizer?! exclamou Gabriel, segurando-lhe os pulsos, e<br />

ferrando-lhe um olhar alucinado.<br />

— Sou mãe! resumiu Ambrosina.<br />

Gabriel abraçou-a pela cintura, e deu-lhe um beijo na testa.<br />

— Não! já não morrerei! Serei o pai de meu filho!<br />

— Mas... partiremos?<br />

— Sim, nem podia ser de outro modo... Prometi a Gaspar não voltar a<br />

teus braços; confessar-lhe, frente a frente, que me faltou coragem para<br />

cumprir a promessa, seria impossível! Prefiro fugir.<br />

— Então, sairemos do Brasil, não é verdade? Iremos por aí afora, numa<br />

peregrinação de boêmios felizes. Depois de percorrermos toda a Europa,<br />

armaremos em Paris a nossa tenda... Tu serás meu, exclusivamente meu!<br />

Tomaremos um modesto alojamento no Bairro Latino; tu te farás muito<br />

trabalhador e muito estudioso, e eu um modelo de economia e de<br />

simplicidade! Mas convém que o Gaspar não desconfie absolutamente desses<br />

nossos projetos e para isso, segredava Ambrosina, abaixando a voz; eu não<br />

voltarei à casa, e ele suporá que continuamos brigados... Entretanto, tu<br />

cuidarás o mais depressa possível do que pudermos precisar, e dentro de<br />

poucos dias, estaremos de viagem! Hem? que te parece?... E pensavas em<br />

morrer!<br />

Gabriel olhava para ela com ar idiota. Sua consciência dizia-lhe de dentro<br />

que tudo aquilo era mau, era infame; afinal estava o ingrato a conspirar, de<br />

parceria com uma mulher sem dignidade, contra o único homem que até aí se<br />

mostrara deveras seu amigo e concentrara nele toda a sua família.<br />

E tão seguramente reconheceu Gabriel a razão deste raciocínio, que não<br />

se animou desta vez a discutir com a ralhadora da consciência; e, para escapar<br />

à maldita voz que o acusava por dentro, pôs-se a pensar nas delícias que lhe<br />

oferecia o projeto de Ambrosina. As viagens e os prazeres em companhia dela<br />

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