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A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

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público, o seu gelado grogue à la américaine. Destacavam-se os sangüíneos e<br />

atochados tipos dos ricos fazendeiros do interior da província ou do fundo de<br />

Minas e São Paulo, sequiosos por atirar às goelas da pândega fluminense um<br />

bom punhado de contos de réis da sua última safra de café; alguns desses,<br />

mal chegados essa mesma noite, ainda conservavam as suas botas da viagem<br />

e o seu poncho à moda do Sul.<br />

Dentre o cheiro das perfumarias e dos pós de toucador, tresandava uma<br />

sutil e femeal rescendência pituitária, que punha nas ventas masculinas<br />

irracionais palpitações de faro.<br />

Era ali, naquele teatrinho da estreita rua da Vala, entalado entre casas<br />

de comércio a retalho, que todas as noites a gente folgazã da Corte, e os mais<br />

que dela dependiam, iam buscar de ponto em branco o seu quinhão de gozo<br />

para os sentidos esfalfados; mas era lá também que muito desgraçado ia pedir<br />

ao ruído do alheio prazer o esquecimento das próprias agonias, de surdas e<br />

inconfessáveis dores, ou ia cavar, com um sorriso mais triste que o esgar de<br />

um enforcado, os dois mil-réis para as primeiras compras da casa no dia<br />

seguinte. Á sombra daqueles amarelecidos bambus, se encontravam os<br />

infelizes de toda a espécie, os infelizes que choram para fora, e os infelizes que<br />

choram para dentro; ao lado do vagabundo lamuriento e pedinchão, lá estava,<br />

em boa aparência, o mísero chefe de família desonrado pelo luxo da mulher e<br />

das filhas, o falido e risonho financeiro, vivendo, a cliquot e havana, à custa<br />

das regalias do seu débito à Praça; lá estava o político vendido e garboso da<br />

sua venalidade, e artista sem ânimo, e jornalistas dispépticos, e cômicos<br />

notívagos, e jogadores profis<strong>sio</strong>nais, e lindos mancebos de lábios alugados ao<br />

amor das dissolutas.<br />

E desse elemento vário se compunha a enorme roda, que nessa noite<br />

cercava ruidosamente no Alcazar a formosa Condessa Vésper.<br />

Ambrosina havia já criado, em torno dos seus cruéis sorrisos de amor,<br />

uma grande e rubra auréola de escândalos. Contavam dela fatos<br />

extraordinários de petulância e originalidade orgíaca, atribuiam-lhe no gênero<br />

todas as anedotas sem dono que vagavam pelo Rio de Janeiro, diziam com<br />

assombro os milhões que a Condessa desbaratara, as ruínas que a seus pés<br />

abrira, e as vítimas de amor que até aí fizera.<br />

Ali, dentre todas aquelas almas escravas dos sentidos e despojadas de<br />

ideal, era ela talvez a única verdadeiramente feliz. Sentia-se radiante no meio<br />

da sua corte de libertinos, cercada de olhares suplicantes e aduladores<br />

sorrisos, alvo de desejos, de elogios e de invejas.<br />

Em torno da sua mesa agitava-se a multidão curiosa e fascinada; as suas<br />

palavras eram acolhidas pelos companheiros de roda, como geniais preceitos,<br />

que enobrecem os primeiros ouvidos que os escutam. Ao seu lado, o Lopes<br />

Filho, o Rocha Coelho, o Reguinho e aquele célebre cogumelo Costa Mendonça,<br />

atentos e cerimoniosos, desfaziam-se em galanterias.<br />

A Condessa não obstante protestava que ia fugir para casa, porque<br />

estava domesticando um urso branco, que entraria na jaula à meia-noite.<br />

— Não se vá ainda... pedia labioso o deputado pela Bahia. Deixe isso<br />

para outra vez... Vamos cear ao Paris... o urso não fugirá!...<br />

Ela, porém, não atendeu, ergueu-se, fez um geral e gracioso<br />

cumprimento à roda, e saiu acompanhada de longe por um imenso grupo de<br />

táticos admiradores, e de perto por aqueles quatro embeiçados, que a<br />

conduziam até à carruagem, disputando entre si a suprema honra de lhe dar o<br />

braço..<br />

Ao entrar no carro, notou que da porta do teatro um rapaz, ainda muito<br />

moço lhe acompanhava os movimentos com um ar satírico e desdenhoso.<br />

Ambrosina fingiu não dar por isso, mas a impressão daquele olhar, tão<br />

contrária a de todos os outros que ela essa noite recebera, lhe ficou doendo<br />

por dentro como imperceptível espinho cravado no seu melindroso orgulho de<br />

mulher formosa. Um simples olhar, talvez involuntário, e vindo distraidamente<br />

de olhos desconhecidos, bastou para toldar com uma pontinha de fel o<br />

triunfante humor, em que a leviana palpitava de vaidade no efêmero<br />

predomínio das suas graças.<br />

Foi já nervosa que ela, ao chegar à casa, disse à criada, arremessando<br />

leque, luvas e chapéu:<br />

— Sirva-me um banho tépido com bastante vinagre de Lubin, e tire um<br />

peignoir daqueles que estão na caixa de seda cor-de-rosa; a ceia que lhe<br />

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