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A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

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— E como sabe se eu mereço confiança para a casa de Viúva Rios &<br />

Comp.?<br />

— Porque sou eu a própria viúva Rios.<br />

Estou pasmado.<br />

— Disso sei eu... Assine<br />

— Mas, minha senhora, deixe ao menos que lhe beije primeiro as mãos...<br />

A viúva olhou-o de alto a baixo; tinha-lhe fugido dos lábios o sorriso<br />

carinhoso com que até aí mimoseara o hóspede Gaspar abaixou os olhos, sem<br />

compreender o que se passava.<br />

— Beijar-me as mãos... disse ela por fim. Só se lembrou disso depois da<br />

transação comercial! E são assim todos os homens!... Enquanto se trata de<br />

cousas verdadeiramente raras e preciosas, porque dependem só do coração e<br />

da pureza dos sentimentos, não se abalam sequer! A meiguice, a ternura, a<br />

feminilidade, que uma pobre mulher desenvolve desinteressadamente para<br />

cumprir com eles o seu destino de amor e de sacrifício, nada mais obtém de<br />

seus lábios que algumas palavras banais de reconhecimento e cortesia. Mas<br />

logo que se trata de materializar o bem, logo que o sacrifício, que o obséquio,<br />

que a abnegação, se acham representados por um valor real, por uma quantia<br />

enfim... ah! então querem beijar--nos as mãos e encontram facilmente<br />

exclamações de entusiasmo e de gratidão!... Não beijará! exclamou ela,<br />

fazendo um gesto de energia. Estou cada vez mais convencida de que os<br />

homens são todos os mesmos... Vi<strong>sio</strong>nária e tola é a mulher, que espera<br />

encontrar entre eles um coração justo e perfeito. Se eu não fosse rica, se eu<br />

não pudesse oferecer-lhe agora uma quantia, de que aliás o senhor tem<br />

absoluta necessidade, é muito natural que o senhor não encontrasse uma<br />

palavra afetuosa para os meus desvelos, e é possível até que, uma vez que já<br />

não precisasse deles, chegasse a desprezar-me e fazer mau juízo da minha<br />

conduta, porque, no fim de contas, eu tinha cometido a imperdoável leveza de<br />

recolher em minha casa um homem quase morto, e de proporcionar-lhe todos<br />

os serviços que o seu mísero estado reclamava. E afinal os senhores acabam<br />

por ter razão! Toda nossa vida, toda nossa dedicação, toda nossa ternura, toda<br />

nossa paciência, não valem um obséquio praticado por um homem a outro<br />

homem! Tudo o que pode fazer o coração de uma mulher não vale um<br />

empréstimo de dinheiro, uma fiança, uma comenda, um elogio pela imprensa<br />

ou qualquer outra bagatela, que afague o amor próprio de algum parvo, ou<br />

salve a suposta honra de qualquer fátuo!<br />

— Minha senhora, eu peço-lhe mil perdões, se...<br />

— É melhor não dizer cousa alguma! Vamos, assine o vale, e depois há<br />

de preparar-se para jantar. Pode receber de minhas mãos o miserável serviço<br />

que me propus oferecer-lhe: em breve o senhor terá ocasião de prestar-me<br />

um outro muito maior.<br />

Com todo o gosto! respondeu Gaspar, assinando o vale e entregando-o à<br />

sua salvadora.<br />

Esta leu consigo a assinatura, e disse com sinais de satisfação: — Logo vi<br />

que me não tinha enganado! É justamente quem eu supunha!...<br />

Em seguida, retirou-se, sem dar tempo ao hóspede para voltar a si da<br />

estranheza daquelas palavras.<br />

20<br />

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