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A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

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Havia tempo, que diabo! para tratarem daquilo. Ficasse o patrão<br />

descansado; ele cumpriria as suas últimas ordens, com o mesmo zelo com que<br />

cumpriu as primeiras recebidas naquela casa!<br />

O patrão fez um gesto afirmativo e puxou para o seu peito descarnado as<br />

cabeças dos seus dois herdeiros, que se vergaram condescendentemente, em<br />

uma posição forçada, cada qual uma careta mais feia.<br />

A pequena chorava, e o Moscoso fazia-lhe sinais com os olhos para que<br />

sustivesse o pranto defronte do moribundo.<br />

O médico chegou depois à hora do costume, demorou-se o tempo que a<br />

formalidade exigia, e saiu, dando de ombros.<br />

O doente expirou no dia seguinte.<br />

Meses depois, casava-se Moscoso com a pupila do defunto patrão.<br />

Chamava-se Genoveva e era uma raparigaça de seus vinte e poucos anos,<br />

muito tola de uma gordura desengraçada. Parecia toda feita de almofadas; as<br />

carnes da cara tremiam-lhe quando ela andava, os olhos tinham uns tons<br />

amarelados e mortos; o cabelo vivia-lhe pregado ao casco da cabeça com suor,<br />

por falta de asseio. Era de uma brancura de sebo velho, falava muito<br />

descansado e com um hálito azedo; as suas mãos papudas e umidamente<br />

macias, davam em quem as tocasse a sensação repulsiva que se<br />

experimentava ao pegar na barriga de uma lagartixa.<br />

Moscoso apossou-se sofregamente dessa mulher, como quem se abraça<br />

a um colchão infecto e sebento, cheio porém, de apólices da dívida pública.<br />

Amou-a com todo o ardor da sua ambição, cercou-a de carinhos, de<br />

desvelos, de meiguices. Melhorou a sua casa comum de residência, comprou<br />

boa roupa, assinou jornais, freqüentou teatros e reuniões familiares, afinal<br />

conspirou com alguns colegas a respeito de uma comenda da Vila Viçosa, e<br />

aumentou sorrateiramente duas linhas em cada mofina contra o coronel.<br />

No prazo marcado pela fi<strong>sio</strong>logia, Genoveva, deitou ao mundo uma<br />

criança. Era menina e foi batizada com o doce nome de Ambrosina.<br />

É deste ponto que principia o maior interesse das memórias do nosso<br />

pobre condenado.<br />

Moscoso começava a presenciar a realização dos seus dourados sonhos<br />

de vingança, já era rico, respeitado, estava em vésperas de ser comendador e<br />

em breve seria milionário; ao passo que o marido da outra — o pobre<br />

empregado público, não passava ainda de miserável chefe de secção, e<br />

continuava a medir o seu ordenado pelas despesas indispensáveis da casa.<br />

Ah! que bastantes vezes teriam ocasião de comparar os dois destinos,<br />

pensava aquele. De um lado o magro funcionário público, seco, modestamente<br />

vestido, curvado pelo serviço, com o espírito consumido pelo trabalho oficial,<br />

pela papelada da secretaria, e traduzindo na cara o nenhum caso que lhe<br />

votava a sociedade; em quanto do outro lado, resplandecia o belo<br />

comendador, o futuro barão, o homem das altas transações, a alma de mil<br />

negócios, o nédio ricaço que brincava com muitos contos de réis, gozando a<br />

boa carruagem, fumando o seu bom charuto, rindo na praça, dizendo pilhérias<br />

aos colegas tão ricos como ele.<br />

E Moscoso revia-se na própria prosperidade, imponente na sua barriga<br />

esticada e egoísta, a destilar todo ele um ar petulante da fartura e proteção, a<br />

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