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A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

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carta, não sei para qual dos seus parentes. Como o senhor na ocasião não<br />

estivesse cá, desci eu próprio a ter com ela, acheia-a muito mal, coitada! e<br />

prometi à infeliz que, mal o senhor chegasse, lá iria a meu pedido prestar-lhe<br />

aquela caridade.<br />

— Pois não, respondeu o rapaz; posso ir imediatamente, contanto que<br />

venha comigo alguém, para mostra-me a qual dessas centenas de portas<br />

tenho eu de bater.<br />

E, enquanto D. Joana chamava pela negrinha que na casa representava o<br />

papel de copeiro, Gustavo, sem se desfazer do chapéu e da bengala, dizia de si<br />

para si, a recordar-se das muitas vezes em que da janela do seu quarto ficava<br />

a contemplar a labutação do cortiço:<br />

— Deve ser aquela mulherança gorda e azafamada, que estava sempre a<br />

ralhar com as crianças, e de quem copiei o tipo da "Brigona" no meu romance<br />

"A Estalagem".<br />

Daí a pouco esperava à porta da lavadeira que o mandassem entrar. A<br />

negrinha tinha já enfiado pelo quarto, a dar notícia da chegada "do mocoque ia<br />

para escrever a carta".<br />

O cortiço estava todo em movimento. Havia nele o alegre rumor do<br />

trabalho. Um grupo de mulheres, de vestido arregaçado e braços nus, lavava,<br />

conversando e rindo em volta de um tanque cheio. Um português, com jaqueta<br />

atirada sobre os ombros, tagarelava com uma negra, que entrara para vender<br />

hortaliças; duas crianças más, assentadas na grama raspada de um quase<br />

extinto canteiro, entretinham-se a enraivecer um cão. Um mascate, com uns<br />

restos de cachimbo ao canto da boca fumava ao lado de um tabuleiro de<br />

quinquilharias de vidro, e conversava em meia língua com uma velha ocupada<br />

a depenar um frango.<br />

Gustavo observava tudo isto, e era igualmente observado. Seu tipo<br />

destacava-se ali, no meio daquela pobre gente, que o olhava com<br />

desconfiança.<br />

Mas, afinal, a negrinha reapareceu, chamou por ele, e o rapaz entrou no<br />

quarto da lavadeira.<br />

Era um cubículo estreito e oprimido pelo teto. Gustavo deu alguns passos<br />

e parou, afrontado pela escuridão e pela insalubridade do ar que respirava ali.<br />

A sua retina, que acabava de receber a luz de fora, ainda se não havia<br />

dilatado; só depois de alguns segundos foi que principiou ele a distinguir<br />

vagamente alguns vultos confusos.<br />

— Venha para cá... disse uma voz fraca e arrastada.<br />

O rapaz tomou a direção da voz, quase às apalpadelas.<br />

A negrinha nessa ocasião voltava com uma cadeira, que fora pedir à<br />

vizinha, e Gustavo assentou-se ao lado da cama em que estava a enferma.<br />

Pôde então com dificuldade reconhecer que a pobre mulher era<br />

justamente quem ele supunha.<br />

Mas, que mudança!... pensava. Que transformação...<br />

E declarou que D. Joana lhe pedira fosse ali escrever uma carta.<br />

A senhora está doente?... perguntou ele depois.<br />

Ao ouvir a última frase, a enferma pôs-se a gemer, como se só então se<br />

lembrasse dessa formalidade da moléstia.<br />

E começou a queixar-se do que tinha, como se falasse ao médico.<br />

— Estou muito mal, disse; o senhor não faz uma idéia! são pontadas no<br />

estômago, dores nas juntas, tonturas, cólicas, e a boca amarga, que é uma<br />

desgraça!<br />

E como Gustavo fizesse um movimento de interesse:<br />

Mas o que mais me consome é esta perna! acrescentou ela, esfregando a<br />

mão pela perna esquerda. — Olhe!<br />

E, gemendo, cingiu o lençol à coxa para dar idéia da inchação.<br />

— Porém aqui há de ser um pouco difícil escrever... arriscou Gustavo, a<br />

olhar em torno de si.<br />

— Abre-se aquele postigo...<br />

E gritou:<br />

— Ó Bento!<br />

— Eu abro! lembrou Gustavo.<br />

E, depois de trepar-se na cadeira, abriu uma janelita de dois palmos, que<br />

ficava sobre a cabeceira da cama.<br />

Entrou logo por aí um grande jato de luz, cortando o espesso ambiente<br />

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