27.11.2014 Views

A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ao acaso devemos criminar, porque foi ele que me tirou dos braços de meu<br />

marido para me atirar aos do meu amante... E será culpa minha não poder eu<br />

amar a nenhum homem?... Acho-os ridículos a todos eles! E haverá, com<br />

efeito, cousa mais aborrecida do que ouvir protestos de amor de Gabriel, por<br />

exemplo? quem pode gostar daquilo? Um homem deve ser um homem e deve<br />

saber gozar!<br />

E Ambrosina sonhava-se ao lado de um libertino milionário, que a<br />

embriagava com todas as transcendências da riqueza e do prazer; sentia sede<br />

das sensações fortes do jogo e das orgias monstruosas, em que há gosto de<br />

sangue no fundo das últimas taças. Queria gozos criminosos, lascívias<br />

perseguidas por lei; sentia necessidade de ruído, de desordem, de escândalo;<br />

queria que se falasse nela, que a apontassem, que os burgueses estalassem de<br />

raiva, ao vê-la passar, petulantemente linda, satânica, cruel, no seu carro<br />

puxado a quatro! Sentia vontade que a julgassem capaz de todos os crimes! E<br />

assim mesmo haveriam de ir depor a seus pés a fortuna, a honra, o talento,<br />

porque ela era bela e possuía todos os segredos do amor sensual. Os<br />

mancebos, ao abrir da puberdade, queimariam a carne em flor nas brasas do<br />

seu sangue; os homens lançariam às chamas dos seus punchs a fortuna dos<br />

filhos e as jóias da mulher; e os velhos, trêmulos e decrépitos, cheios de<br />

condecorações e flanelas, haveriam de arrastar-se até aonde ela estivesse<br />

para lhe suplicarem, por amor de Deus e em troca de tudo o que possuíssem<br />

alguns instantes de luxúria! E ela então orgulhosa e fria sob o diadema de seus<br />

vícios, escarneceria de todos eles e de todos os preceitos estabelecidos pela<br />

moral. E, enquanto as mães chorassem, os filhos se perdessem, e os homens<br />

se assassinassem na vergonha e no opróbrio, ela, mulher sem coração, a<br />

Vênus de gelo! beberia champanha e comeria morangos em calda de rum!<br />

E por um natural fenômeno de atavismo, Ambrosina reproduzia, com as<br />

modificações correspondentes às suas circunstâncias individuais, todos os<br />

sonhos de ambição e todos os delírios de grandeza que encheram a vida inteira<br />

de seu pai.<br />

Era o comendador Moscoso quem estava ali a sonhar, em plena<br />

mocidade, não como ambicioso caixeiro de taverna, mas como uma vaidosa<br />

rapariga de coração mal-educado.<br />

Ela, porém foi interrompida nos seus incipientes devaneios por um<br />

fulminante berro, que lhe gelou nas veias o sangue e lhe sumiu a luz dos<br />

olhos.<br />

Era o louco que vinha de novo ao seu encalço.<br />

Ambrosina soltou um grito e, perdendo os sentidos, cambaleou um<br />

momento, e desabou afinal sobre a calçada.<br />

XXV<br />

A FLOR DO RUSSELL<br />

Jorge, o cocheiro de Gaspar, era um homem membrudo e de fi<strong>sio</strong>nomia<br />

áspera, tipo mais puxado a espanhol que a brasileiro.<br />

Cabelos negros e crespos, achatados na testa pelo uso constante de um<br />

grosseiro chapéu de feltro, olhos escuros, cor de tabaco, barba espessa, fartas<br />

sobrancelhas arrepiadas, nariz grosso, afogado em sangue, dentes grandes e<br />

quadrados.<br />

Cobria-lhe a pequena parte do rosto que não fora conquistada pela<br />

invasão brutal dos cabelos, um moreno quente, listroso, cheio de vida e de<br />

força. Tinha as mãos largas e resguardadas de músculos possantes, peito<br />

amplo e pescoço vigoroso.<br />

Entretanto, por detrás daquela estatura gigantesca e de energia de seu<br />

todo, estava um coração brando e flexível.<br />

Jorge era um bom homem. Gaspar tomara-o ultimamente a seu serviço,<br />

mas já o conhecia de longa data. O Médico Misterioso exercia sobre ele grande<br />

influência moral e votava-lhe amizade.<br />

103<br />

103

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!