27.11.2014 Views

A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

— Palavras! e só palavras! Sinto que vou já resvaiando para a cova, e<br />

que afinal rolarei por uma vez sem descobrir quem foi o infame que me<br />

amargurou os últimos anos de minha vida!<br />

— Lá voltam as idéias tristes! observou Alfredo, com um gesto de<br />

reprovação. Conversemos noutra cousa. Veja se afasta do espírito<br />

semelhantes pensamentos...<br />

O coronel continuou, sem fazer caso das palavras do genro:<br />

— Pressinto debaixo dos pés a aridez pavorosa do meu próprio despojo...<br />

Já preciso olhar para trás, quando quero olhar para a vida. Sinto-me só e a<br />

solidão me aterra; procuro em torno de mim os afetos que me aqueceram e<br />

consolaram o coração noutros tempos mais felizes, e só vejo sombras,<br />

fugitivas e vaporosas... Onde estão meus rudes companheiros de trabalho?...<br />

onde estão meus amores da mocidade!... onde foram desabrochar os lírios que<br />

plantei no lar, contando com as amarguras da velhice!... Tudo falhou, tudo<br />

murchou, e tudo fugiu!...<br />

E o coronel, possuído completamente do delírio da febre, levantou-se do<br />

leito, com o seu longo vulto amortalhado no cobertor.<br />

Alfredo acompanhava-lhe os movimentos, piscando os olhos, com um ar<br />

de medo.<br />

O coronel golpeou o quarto a passos largos e pesados.<br />

Tinha a cabeça erguida, o olhar descomposto, a boca aberta, mostrando<br />

os dentes fulvos de tabaco. A fronte, larga e despojada, saía-lhe de uma<br />

nuvem de cabelos brancos.<br />

No seu porte, na sua fi<strong>sio</strong>nomia, no seu olhar de águia velha, havia uma<br />

trágica expressão de loucura.<br />

Foi entre o fumo das batalhas, exclamou ele estacando ao fundo do<br />

aposento e fitando o genro, que formei o meu caráter e o meu coração! Foi<br />

entre o fuzilar da metralha e o clamor dos moribundos, que se escoou a minha<br />

mocidade, limpa e vermelha, como o sangue de um justo! Nunca a mentira me<br />

anuviou o olhar, nunca a vergonha me desmaiou as faces! Fui reto e valente!<br />

Mil vezes arrisquei a vida pela pátria, mil vezes mergulhei no fogo, abraçado<br />

ao pavilhão brasileiro! Entretanto, em paga de tudo isso, ela, a pátria, só me<br />

dá o esquecimento! E a sociedade, a grande sociedade! só me dá, de quinze<br />

em quinze dias, uma inventiva pelo Jornal do Comércio! Maldito sejas tu, Brasil<br />

ingrato! Fui intrépido, leal e generoso, contudo irei para o fundo da terra<br />

isolado e crivado de insultos, como se fosse um bandido!<br />

E avançando para Alfredo, bradou-lhe com uma voz terrível:<br />

— Tu mesmo, desgraçado, não te lembrarias de fazer-me esta visita, se<br />

te sentisses menos infeliz! Vieste cá pela simpatia do desespero; entraste,<br />

porque és velho conhecido da negra miséria que cá está. Sabias que aqui pelo<br />

menos, não te cuspiriam nas costas, não te bateriam no chapéu, nem te<br />

voltariam enjoados o rosto! porém fizeste mal em vir! eu vou perfeitamente só<br />

para a sepultura. Volta por onde vieste, miserável! que já há por cá bastante<br />

mágoa, bastante agonia, bastante sofrimento! Vai exibir noutra parte a tua<br />

mingua, que ela mais me apoquenta e me irrita! Sai!<br />

E o coronel apontou-lhe a porta:<br />

— Anda! Sai!...<br />

56<br />

56

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!