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A CONDESSA VÉSPER Aluí sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...

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azuis, os movimentos compassados, os gestos frios; entretinha-se esta em<br />

casa a ler revistas inglesas, à noite, antes do chá, enquanto Miló cantarolava<br />

uma modinha ao piano ou ia para o portão da chácara ver quem passava na<br />

rua. Emilia puxara à mãe; Eugênia saíra ao pai.<br />

Da família, a mais tola era Ursulina, cuja conservação dos seus fugitivos<br />

dotes de beleza a trazia em constante e ridículo sobressalto.<br />

O marido nunca dera por isso. Fôra sempre um verdadeiro negociante<br />

inglês — seco, áspero, sem bigode, falando português a socos, e mostrando-se<br />

sistematicamente indiferente a tudo que não fosse de interesse prático.<br />

À noite lia o Times ou jogava O wist com Eugênia, a sua filha predileta.<br />

Ainda convém citar dois tipos da roda fiel do comendador:<br />

Um era o Reguinho. Rapaz de vinte e tantos anos, filho de um<br />

fazendeiro estúpido e rico, que lhe fornecia dinheiro para a pândega. Muito<br />

conhecido; todos sabiam das suas asneiras e até de uma ou outra<br />

estrangeirinha, mas ninguém lhe ia às mãos por isso.<br />

A sua linha mais acentuada, a sua mania, a sua moléstia, era a mentira.<br />

O Reguinho mentia por hábito, mentia por índole, por gosto; mentia, porque<br />

mentia.<br />

Não estava em suas mãos proceder de outro modo: ele às vezes,<br />

coitado! não tinha intenção de dizer senão a verdade mas era bastante que<br />

suas palavras produzissem algum efeito em quem as escutasse, para vir logo a<br />

primeira mentira, abrindo a porta a um chorrilho delas. E ei-lo a aumentar, a<br />

exagerar, a meter no assunto episódios falsos; a dizer, enfim, aquilo que não<br />

era, e a mentir.<br />

Um dia, encontrou ele na rua o infortunado viúvo de Ana, a quem<br />

conhecia de longa data. O pobre de Cristo, desde que perdera o emprego, vivia<br />

por aí aos paus, comendo a maior parte das vezes em casa do sogro ou nas<br />

águas de alguma velha amizade de melhores tempos.<br />

— Vem cá, homem! como vai tu? disse-lhe o intrujão, batendo-lhe no<br />

ombro.<br />

O Marmelada queixou-se da sorte com a resignação tétrica.<br />

— Andas apoquentando, meu... (Queria dizer-lhe o nome, mas não se<br />

lembrava dele — Como é mesmo que te chamas?...<br />

— Já nem de meu nome te lembras!... Também o que há nisso de<br />

extraordinário? outros nem sequer me conhecem mais!...<br />

O Reguinho deu a sua palavra de honra em como se esquecia do nome<br />

de toda a gente.<br />

— Chamo-me Alfredo da Silva Bessa...<br />

— É isso! é! Mas tu estás desempregado, hem, meu Bessa?<br />

Marmelada meneou afirmativamente a cabeça num desânimo sombrio.<br />

O outro acrescentou:<br />

— Pois tenho um emprego às tuas ordens. É negociozinho para de pronto<br />

meteres na algibeira um bom par de notas de cem! Estou convencido de que<br />

não me recusarás!...<br />

O rosto lívido do Marmelada iluminou-se de um clarão de esperanço.<br />

— Um emprego?! interrogou ele, acompanhando an<strong>sio</strong>so os movimentos<br />

do Reguinho.<br />

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