A CONDESSA VÃSPER Aluà sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...
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— Bem! disse Gaspar, procurando delicadamente desviar-se dos braços<br />
de Ambrosina. Ficamos então entendidos, não é assim?... Eu serei o teu bom<br />
amigo, e tu nunca mais darás um passo para perseguires Gabriel!<br />
E ergueu-se.<br />
— Sim, respondeu a formosa rapariga, que também se havia levantado.<br />
E, novamente abraçada a Gaspar, fazia-lhe agora festinhas na barba com o<br />
seu dedo de unha cor-de-rosa. — Sim, sim! mas quero que me dês uma prova<br />
do teu afeto, antes de partires amanhã...<br />
— Uma prova?... Como? de que forma?...<br />
— Vindo hoje mesmo, à meia-noite, cear em despedida aqui comigo. Pois<br />
eu consentiria lá que te fosses sem me dizer adeus?...<br />
— Mas, à meia-noite?!... Pareceria isso mais uma entrevista de amantes<br />
do que...<br />
— Não sei porquê?... interrompeu ela. Não são as horas, nem é o lugar,<br />
que fazem as situações. Não tens confiança em ti?... tenho eu em mim!<br />
Convém-me estar ainda, antes de partires, uma vez a sós contigo, e só a<br />
meia-noite é que me pertenço... Daqui a nada está aí gente para jantar em<br />
minha companhia!<br />
— Mas...<br />
— Se não quiseres vir, desisto já de tudo que combinamos, e eu<br />
procederei como entender!<br />
— Bom! Bom! Virei à meia-noite; mas tu estarás só!...<br />
— Juro-te! Nem mesmo pelos criados serás visto...<br />
— Pois até logo.<br />
— Vens, então?...<br />
— Acabo de dizer que sim.<br />
— E se não vieres?...<br />
— Farás o que entenderes...<br />
— Olha lá!...<br />
— Estamos combinados, filha!<br />
Pois conto contigo... Se encontrares a porta fechada toca o tímpano três<br />
vezes seguidas.<br />
— Sim, adeus.<br />
— Adeus, meu bom amigo.<br />
E Gaspar, impaciente, alterado, ganhou o largo do Rocio, e tomou a<br />
direção do Mangini.<br />
Pelo caminho reparou que todo ele ia penetrado do sutil e capitoso<br />
perfume, que Ambrosina exalava das carnes e dos cabelos.<br />
XXXIX<br />
A VEZ DA CIGARRA<br />
No terraço do Alcazar corria a pândega desenfreada. Representava-se La<br />
folie parfumeuse, e as notas candenciosas da alegre partitura misturavam-se<br />
no pesado ambiente do teatro com frêmito das gargalhadas, o fumo dos<br />
charutos e o vapor inebriante dos vinhos.<br />
Em torno das mesinhas de mármore, homens e mulheres, aos magotes,<br />
vozeavam, numa estrepitosa concussão de línguas, em que a francesa era a<br />
mais atropelada. Fervia o champanha por toda a parte, e por todos os grupos<br />
faiscavam diamantes e jóias de alto preço. Havia toilettes das loureiras, um<br />
luxo de espetáculo d'ópera, e as carruagens, estacionadas na rua à espera<br />
delas, formavam serpentes que abrangiam quarteirões.<br />
Sob a pobre e melancólica folhagem de bambus de que constava o<br />
jardinzinho do famoso café-concerto e que atormentada pela luz mordente do<br />
gás, parecia minguar de nostalgia, saudosa da frescura dos seus campos,<br />
rolava todas as noites, na mesma onda, a inconsciente e barulhosa<br />
prodigalidade dos herdeiros ricos e a torturante pantomimice dos fingidos<br />
argentários. Viam-se os elegantes de chapéu de feltro claro e luvas de cor,<br />
empunhando inquietadores bengalórios encabeçados de ouro; viam-se rutilantes<br />
e agaloadas fardas da Marinha e do Exército, em contraste com as<br />
joviais casacas negras dos cançonetistas parisienses, que vinham cá fora, nos<br />
intervalos dos atos, escorrupichar, a barba longa e de camaradagem com o<br />
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