A CONDESSA VÃSPER Aluà sio Azevedo - Bibliotecadigital.puc ...
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que nasceu para a vagabundagem das ruas.<br />
Uma vez, o rapaz, percebeu-lhe lágrimas, inquiriu, entre bocejos, sobre<br />
o que a punha nesse estado.<br />
Ela, por única resposta, deixou-se-lhe cair nos braços com uma explosão<br />
de soluços.<br />
— Sou uma desgraçada! Sou a peste! exclamou.<br />
— A que vem isso, filha?<br />
— Pois não é assim? Tudo o que me cerca há de murchar e fenecer?<br />
todos os que se chegam para mim hão de fatalmente cair nessa tristeza e<br />
nesse desânimo em que te vejo mergulhado, receosa de que sucumbas de<br />
tédio?... Oh! estou farta de ver sofrer em torno do meu azar! É demais! Qual<br />
foi o meu grande crime, para que de mim pobre amaldiçoada dos céus! nunca<br />
partisse um elemento de alegria sã e de sincero riso?! Quero ser boa e<br />
simples, quero ser como tantas outras mulheres que fazem a felicidade dos<br />
que as amam, mas já não me animo sequer a desejar o bem dos meus<br />
semelhantes, porque meu coração foi formado pela lama dos infernos. Maldita<br />
seja a hora em que eu nasci! maldita a estrela que me abriu os olhos! Quanto<br />
invejo essas pobres velhas, que chegam pacificamente ao fim de uma longa e<br />
uniforme existência, cercadas de netos e abençoadas por uma geração inteira!<br />
Quanto invejo os que partem deste mundo, sem deixar atrás de si um só eco<br />
de rugir de ódio ou de gargalhar de escárnio!<br />
E voltando para Gabriel, disse-lhe numa agonia crescente:<br />
— Vai! Foge de mim. Evita-me! És moço; vai gozar em paz, vai viver!<br />
Casa-te, constitui família, faze-te amado por uma mulher digna de ti! Meus<br />
carinhos te secam o sangue, meus beijos te umedecem a inteligência! Fogeme,<br />
querido! Amo-te muito, para consentir que te associes à minha estrela!<br />
— Onde diabo queres tu chegar com tudo isso. Não te compreendo!<br />
— Quero arrancar-te deste degredo!<br />
— Mas, filha, não foste tu própria quem escolheu isto aqui para<br />
morarmos?...<br />
— Sim, porque não previa as conseqüências; agora porém, receio<br />
perder-te... Esta solidão está a matar-te lentamente, eu sofro por te ver nesse<br />
estado... Não! não ! É preciso salvar-te!<br />
— Qual! por mim, não! por mim não te incomodes. Em toda a parte me<br />
aborreço do mesmo modo... O mal vem de mim e não do lugar em que me<br />
acho... Se é só por isso, põe o coração à larga, e não te preocupes com os<br />
enfados de uma mudança.<br />
— Mas é que eu própria começo a sucumbir de tédio!<br />
— Ah! isso agora é outra cousa. Compreendo! Sentes falta do ruído da<br />
cidade. O corpo pede-te pândega. Já me tardava, confesso-te!<br />
— E é exato. Esta existência calma, entre cascatas e mangueiras, em vez<br />
de acalmar-me os nervos, tem a propriedade de irritá-los... Não nasci para<br />
isto! No fim de contas, o mais digno e honesto é submeter-se cada qual ao seu<br />
temperamento e deixar-se de hipocrisias; mais vale a franca jovialidade do que<br />
uma austeridade fingida e falsa. Sinto-me bem disposta como nunca; amo e<br />
sou amada — quero viver! quero gozar, em plena expansão de alegria o resto<br />
de minha mocidade ao lado do meu amante. Venham de novo as ceias, os<br />
vinhos, os delírios do jogo e das madrugadas de prazer! Sou de novo a<br />
Condessa Vésper!<br />
Gabriel sacudiu os ombros, enjoado.<br />
— Faze o que entenderes, disse ele; mas talvez te arrependas...<br />
— É difícil... Pois se isto já é um arrependimento de arrependimento!...<br />
Não! Não! Preciso sair daqui. Vou fatalmente! Se me não acompanhares, irei<br />
só.<br />
Daí a dias, mudavam-se para a cidade, tomando na Praia da Lapa, em<br />
frente ao mar, um sobradinho de três janelas, que era um brinco. E a<br />
Condessa Vésper começou a reaparecer nos teatros e nas corridas, ao lado do<br />
seu taciturno amante.<br />
Apesar de já inteiramente fora do calendário das mulheres de alto bordo,<br />
fizeram-se logo comentários de todo o gênero a seu respeito. Uns,<br />
naturalmente por espírito de contradição, achavam que ela agora estava ainda<br />
mais bela; outros, sistematicamente pessimistas, pretendiam que a sazonada<br />
ex-estrela do Alcazar, já não valia dois caracóis. E atribuíam-lhe uma grande<br />
regeneração por amor, falava-se, por aqui e por ali, ora de uma formidável<br />
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