o fenômeno da compaixão na ética de arthur schopenhauer - FaJe
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“Ca<strong>da</strong> vez que ele exami<strong>na</strong> mais <strong>de</strong>ti<strong>da</strong>mente a coisa-em-si, ela aparece sempre mais através<br />
<strong>de</strong> seu véu, sob a forma <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>.” 63<br />
Embora em dois trechos distintos do seu prefácio Alain Roger mencione que a coisaem-si<br />
<strong>de</strong> Kant se transforma <strong>na</strong> Vonta<strong>de</strong> em Schopenhauer e o fenômeno, <strong>na</strong> representação,<br />
<strong>de</strong>ve-se atentar para o fato <strong>de</strong> que essa informação está presente explicitamente no próprio<br />
texto citado acima e que repetimos aqui para confronto: “já se representava vagamente e <strong>na</strong>s<br />
profun<strong>de</strong>zas mais obscuras <strong>de</strong> seu espírito a vonta<strong>de</strong> livre”. Vagamente, porque a coisa-em-si<br />
nele permaneceu enigmática e não suficientemente <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> em sua relação com o<br />
fenômeno. Tal não foi o caso <strong>de</strong> Schopenhauer. Com efeito, acompanhando o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento dos dois conceitos mencio<strong>na</strong>dos em sua obra, percebe-se que ele foi além<br />
<strong>de</strong>ssa associação inicial e vinculou a representação ao véu <strong>de</strong> Maya, e a Vonta<strong>de</strong>, ao Trimurti<br />
indiano. Em diversas passagens do livro O Mundo a Vonta<strong>de</strong> é Brahman, o Absoluto, o Ume-muitos.<br />
Ele po<strong>de</strong> ter partido <strong>da</strong> coisa-em-si e do fenômeno em Kant, mas foi além. Kant, em<br />
O Mundo, ficaria nos livros I e II; Platão, no livro III, ao passo que o pensamento oriental<br />
teria acompanhado Schopenhauer até o livro IV, on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> a fun<strong>da</strong>mentação metafísica <strong>da</strong><br />
ética.<br />
Schopenhauer reconhece que o maior e mais brilhante mérito <strong>de</strong> Kant consiste <strong>na</strong><br />
convivência <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, exposta inicialmente <strong>na</strong> Crítica <strong>da</strong> razão pura e,<br />
posteriormente, <strong>de</strong> modo mais <strong>de</strong>talhado <strong>na</strong> Crítica <strong>da</strong> razão prática. Schopenhauer, <strong>na</strong> obra<br />
Sobre o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> moral, expõe que filósofos como Hobbes, Espinosa, Hume, Holbach e<br />
Priestley evi<strong>de</strong>nciaram a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos atos <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> conforme os motivos apresentados.<br />
Enten<strong>de</strong> Schopenhauer que tanto em Kant como nos pensadores mencio<strong>na</strong>dos ocorreu o<br />
reconhecimento <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos atos <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> como algo irrefutável. “Isto se evi<strong>de</strong>ncia<br />
em todos os lugares em que [Kant] fala <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> só do ponto <strong>de</strong> vista teórico.” 64<br />
Esclarece Schopenhauer que:<br />
[...] nossas ações são acompanha<strong>da</strong>s por uma<br />
consciência <strong>da</strong> própria potência e <strong>da</strong> origi<strong>na</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
graças à qual nós as reconhecemos como nossa obra e<br />
todos se sentem como autores reais <strong>de</strong> suas ações e, por<br />
isso mesmo, responsáveis moralmente. Aí porém a<br />
responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pressupõe uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ter<br />
agido <strong>de</strong> modo diferente e, com isso, a liber<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Assim, <strong>na</strong> consciência <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> está<br />
mediatamente a <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para solução <strong>de</strong>sta<br />
contradição que se produz a partir <strong>da</strong> própria coisa, a<br />
conclusão fi<strong>na</strong>lmente encontra<strong>da</strong> foi a perspicaz<br />
63 SCHOPENHAUER, A. Fragmentos sobre a história <strong>da</strong> filosofia, p. 165. Apud Roger, A. SCHOPENHAUER,<br />
A. Sobre o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> moral. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. XXVI.<br />
64 SCHOPENHAUER, A. Sobre o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> moral, p. 93-94.<br />
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