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A Etica Protestante E o Espirit - Max Weber

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coletividade. Às pessoas de posses ela queria impingir não a mortificação, 275 mas<br />

o uso de sua propriedade para coisas necessárias e úteis em termos práticos. A<br />

noção de comfort circunscreve de forma característica o âmbito de seus<br />

empregos eticamente lícitos, e sem dúvida não é casual que o desenvolvimento<br />

do estilo de vida que obedece a essa palavra de ordem tenha encontrado suas<br />

manifestações mais precoces e de maior nitidez entre os representantes mais<br />

consequentes dessa visão de mundo: os quakers. Aos brilhos e clarões do fausto<br />

cavalheiresco, que, assentado em bases econômicas vacilantes, prefere a<br />

elegância sórdida à sóbria simplicidade, eles opõem como ideal o conforto<br />

asseado e sólido do home burguês. 276<br />

A ascese lutou do lado da produção da riqueza privada contra a improbidade,<br />

da mesma forma que contra a avidez puramente impulsiva — condenando esta<br />

última com os nomes de covetousness {cobiça}, mamonismo etc.: a ambição de<br />

riqueza com o fim último de ser rico. Pois enquanto tal, a posse de fato era uma<br />

tentação. Mas aí a ascese era a força “que sempre quer o bem e sempre faz o mal”<br />

{ ** } — ou seja, o mal no sentido que ela tinha em mente: a posse e suas<br />

tentações. Pois, a exemplo do Antigo Testamento e em plena analogia com a<br />

valorização ética das “boas obras”, ela via, sim, na ambição pela riqueza como fim<br />

o cúmulo da culpa, mas na obtenção da riqueza como fruto do trabalho em uma<br />

profissão, a bênção de Deus. Eis porém algo ainda mais importante: a<br />

valorização religiosa do trabalho profissional mundano, sem descanso,<br />

continuado, sistemático, como o meio ascético simplesmente supremo e a um<br />

só tempo comprovação o mais segura e visível da regeneração de um ser<br />

humano e da autenticidade de sua fé, tinha que ser, no fim das contas, a<br />

alavanca mais poderosa que se pode imaginar da expansão dessa concepção de<br />

vida que aqui temos chamado de “espírito” do capitalismo. 277 E confrontando<br />

agora aquele estrangulamento do consumo com essa desobstrução da ambição<br />

de lucro, o resultado externo é evidente: acumulação de capital mediante coerção<br />

ascética à poupança. 278 Os obstáculos que agora se colocavam contra empregar<br />

em consumo o ganho obtido acabaram por favorecer seu emprego produtivo: o<br />

investimento de capital. Qual terá sido a magnitude desse efeito naturalmente<br />

escapa a um cálculo mais exato. Na Nova Inglaterra, a conexão resultou tão<br />

palpável, que não se furtou já aos olhos de um historiador tão notável como<br />

Doyle. 279 Mas mesmo num país como a Holanda, que a rigor esteve dominada<br />

pelo calvinismo estrito só por sete anos, a maior simplicidade de vida das<br />

pessoas muito ricas, predominantes nos círculos mais seriamente religiosos,<br />

acarretou uma excessiva compulsão a acumular capital. 280 Além do mais, salta

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