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metódica. 126 O trabalho profissional, também aos olhos de A. H. Francke, era o<br />
meio ascético par excellence; 127 tanto ele, quanto — assim veremos — os<br />
puritanos estavam firmemente convencidos de que era o próprio Deus que<br />
abençoava os seus com o sucesso no trabalho. E como sucedâneo do “duplo<br />
decreto” o pietismo produziu para si representações que, de maneira<br />
essencialmente idêntica, se bem que mais tênue, estabeleciam uma aristocracia<br />
dos regenerados pela graça particular de Deus, 128 com todas as consequências<br />
psicológicas acima descritas a propósito do calvinismo. Entre elas, por exemplo,<br />
a assim chamada doutrina do “terminismo”, 129 imputada em geral ao pietismo<br />
pelos seus adversários (sem dúvida injustamente), ou seja, a suposição de que a<br />
graça é oferecida universalmente, mas uma única vez a cada qual, num<br />
momento bem determinado da vida ou num momento qualquer, pela primeira<br />
e última vez. 130 Quem portanto deixasse escapar aquele momento, para ele o<br />
universalismo da graça não valia mais nada: estava na situação dos réprobos da<br />
doutrina calvinista. Efetivamente muito próxima dessa teoria era também, por<br />
exemplo, a suposição sustentada por Francke a partir de experiências pessoais e<br />
amplamente difundida no pietismo — pode-se muito bem dizer: a hipótese<br />
predominante — segundo a qual a “irrupção” {da graça} só podia ocorrer em<br />
circunstâncias específicas, únicas e peculiares, sobretudo quando antecedida de<br />
uma “batalha penitencial”. 131 Mas como, aos olhos dos próprios pietistas, nem<br />
todos estavam predispostos a essa experiência, aquele que por ela não passasse<br />
apesar de haver instruções de método ascético destinadas a provocá-la,<br />
permanecia aos olhos dos regenerados uma espécie de cristão passivo. Por outro<br />
lado, com a criação de um método destinado a provocar essa “batalha<br />
penitencial”, o acesso mesmo à graça divina se tornava, de fato, objeto de<br />
institucionalização humana racional. Mesmo as reservas acerca da confissão<br />
auricular manifestadas não digo por todos os pietistas — não por Francke, por<br />
exemplo — mas com certeza por muitos deles, até mesmo pelos curas de almas<br />
pietistas, como demonstram as interpelações volta e meia endereçadas a Spener,<br />
reservas essas que contribuíram para solapá-la até no próprio luteranismo,<br />
originaram-se desse aristocratismo da graça: o efeito visível que a graça obtida<br />
através da penitência exercia sobre a conduta santa é que devia afinal decidir<br />
quanto à viabilidade da absolvição, e sendo assim era impossível concedê-la<br />
contentando-se com uma simples “attritio” [“contritio”]. 132<br />
A autoanálise religiosa de Zinzendorf, se bem que oscilasse dependendo dos<br />
ataques que lhe movesse a ortodoxia, desembocava sempre na representação de<br />
si como “ferramenta”. De resto, é difícil atinar inequivocamente com o ponto de