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A Etica Protestante E o Espirit - Max Weber

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verdade, a propósito dessa forma de religiosidade Sebastian Franck já havia<br />

acertado no alvo, quando divisou a significação da Reforma no fato de que agora<br />

cada cristão devia ser um monge ao longo de toda sua vida.] Um dique foi<br />

erguido para impedir que a ascese continuasse a desbordar da vida cotidiana em<br />

meio ao mundo, e àquelas naturezas internalizadas e passionalmente sérias que<br />

até então haviam fornecido ao monacato os seus melhores representantes agora<br />

era ensinado que se devotassem a ideais ascéticos dentro da vida profissional<br />

mundana. Só que o calvinismo, na sequência de seu desenvolvimento,<br />

acrescentou a isso um aporte positivo: a ideia da necessidade de uma<br />

comprovação da fé na vida profissional mundana. 89 Fornecia assim [a amplas<br />

camadas de naturezas com pendor religioso] o estímulo positivo da ascese e, uma<br />

vez ancorada sua ética na doutrina da predestinação, a aristocracia espiritual dos<br />

monges situada além e acima do mundo cedia lugar à aristocracia espiritual dos<br />

santos no mundo desde toda a eternidade predestinados por Deus, 90 aristocracia<br />

essa que com seu character indelebilis {caráter indelével} está separada do resto<br />

da humanidade, constituído de réprobos desde toda a eternidade, por um<br />

abismo em princípio intransponível e ainda mais inquietante em sua<br />

invisibilidade 91 do que o do monge medieval apartado do mundo — um abismo<br />

sulcado com áspera agudez em todos os sentimentos sociais. É que para esse<br />

estado de graça dos eleitos e, portanto, santos pela graça divina, não era<br />

adequada a solicitude indulgente com os pecados do próximo apoiada na<br />

consciência da própria fraqueza, mas sim o ódio e o desprezo por um inimigo de<br />

Deus, alguém que portava em si o estigma da perpétua danação. 92 Esse modo de<br />

sentir era suscetível de um agravamento tal, que dependendo das circunstâncias<br />

desembocava na formação de seitas. Esse foi o caso quando — a exemplo das<br />

correntes “independentes” do século XVII — a crença genuinamente calvinista<br />

de que a glória de Deus exigia submeter os condenados à Lei por meio da Igreja<br />

foi sobrepujada pela convicção de que era para Deus um ultraje quando um não<br />

regenerado se encontrava em meio ao seu rebanho e tomava parte nos<br />

sacramentos ou até mesmo — no cargo de pastor — ministrava sacramentos. 93<br />

[Foi o que aconteceu quando, em decorrência da ideia de comprovação, emergiu<br />

um conceito de Igreja de cunho donatista, valha a palavra, como foi o caso entre<br />

os batistas calvinistas.] E mesmo quando não se impôs a exigência [de uma<br />

Igreja “pura” enquanto comunidade de regenerados comprovados] em suas<br />

[últimas] consequências, [a saber], a formação de uma seita, foram múltiplas e<br />

diversas as configurações de constituição eclesiástica que resultaram da tentativa<br />

de separar os cristãos regenerados dos não regenerados — estes últimos, cristãos

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