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A Etica Protestante E o Espirit - Max Weber

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coerência, senão este, antes de mais nada: um sentimento de inaudita solidão<br />

interior do indivíduo. 17 No assunto mais decisivo da vida nos tempos da Reforma<br />

— a bem-aventurança eterna — o ser humano se via relegado a traçar sozinho<br />

sua estrada ao encontro do destino fixado desde toda a eternidade. Ninguém<br />

podia ajudá-lo. Nenhum pregador: pois somente o eleito é capaz de<br />

compreender spiritualiter {em espírito} a palavra de Deus. Nenhum sacramento:<br />

pois os sacramentos, com certeza ordenados por Deus para o aumento de sua<br />

glória e sendo por conseguinte invioláveis, não são contudo um meio de obter a<br />

graça de Deus, limitando-se apenas a ser, subjetivamente, externa subsidia<br />

{auxílios externos} da fé. Nenhuma Igreja: pois embora a sentença extra<br />

ecclesiam nulla salus implique como sentido que quem se afasta da verdadeira<br />

Igreja nunca mais pode pertencer aos eleitos de Deus, 18 resta o fato de que<br />

também os réprobos fazem parte da Igreja (externa), mais que isso, devem fazer<br />

parte dela e sujeitar-se à sua disciplina, não para através disso chegar à bemaventurança<br />

eterna — isso é impossível —, mas porque, para a glória de Deus,<br />

eles devem ser além do mais obrigados pela força a observar os mandamentos.<br />

E, por fim, nenhum Deus: pois mesmo Cristo só morreu pelos eleitos, 19 aos<br />

quais Deus havia decidido desde a eternidade dedicar sua morte sacrificial. [Isto:<br />

a supressão absoluta da salvação eclesiástico-sacramental (que no luteranismo<br />

de modo algum havia se consumado em todas as suas consequências) era o<br />

absolutamente decisivo em face do catolicismo. Aquele grande processo<br />

histórico-religioso do desencantamento do mundo 20 que teve início com as<br />

profecias do judaísmo antigo e, em conjunto com o pensamento científico<br />

helênico, repudiava como superstição e sacrilégio todos os meios mágicos de<br />

busca da salvação, encontrou aqui sua conclusão. O puritano genuíno ia ao<br />

ponto de condenar até mesmo todo vestígio de cerimônias religiosas fúnebres e<br />

enterrava os seus sem canto nem música, só para não dar trela ao aparecimento<br />

da superstition, isto é, da confiança em efeitos salvíficos à maneira mágicosacramental.<br />

21 Não havia nenhum meio mágico, melhor dizendo, meio nenhum<br />

que proporcionasse a graça divina a quem Deus houvesse decidido negá-la.] Em<br />

conjunto com a peremptória doutrina da incondicional distância de Deus e da<br />

falta de valor de tudo quanto não passa de criatura, esse isolamento íntimo do<br />

ser humano explica a posição absolutamente negativa do puritanismo perante<br />

todos os elementos de ordem sensorial e sentimental na cultura e na<br />

religiosidade subjetiva — pelo fato de serem inúteis à salvação e fomentarem as<br />

ilusões do sentimento e a superstição divinizadora da criatura — e com isso fica<br />

explicada a recusa em princípio de toda cultura dos sentidos em geral. 22 Isso por

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