You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
aplauso de um mundo inteiro [de crentes] — o estado de espírito do crente<br />
puritano que no fundo só se ocupa consigo mesmo e só pensa na própria<br />
salvação, conforme se vê pelos diálogos edificantes que no caminho ele trava<br />
com outros peregrinos movidos pela mesma ambição e que lembram [mais ou<br />
menos] os Gerechter Kammacher de Gottfried Keller. É só quando já está salvo<br />
que lhe ocorre a ideia de que seria bom ter a família junto de si. O medo da<br />
morte e do além-túmulo que o atormenta é o mesmo que se pode sentir, tão<br />
penetrante, em Afonso de Ligório na descrição de Döllinger — a léguas de<br />
distância do espírito de orgulhosa intramundanidade a que Maquiavel dá voz<br />
quando faz o elogio daqueles cidadãos florentinos — em luta contra o papa e o<br />
interdito {episcopal} — para os quais “o amor por sua cidade natal estava acima<br />
do medo pela salvação de suas almas” [e, claro, ainda mais distante de<br />
sentimentos como os que Richard Wagner põe nos lábios de Siegmund antes do<br />
combate mortal: “Salve Wotan, salve Valhala... Das ásperas delícias do Valhala,<br />
não me fales nada, deveras”. Só que precisamente os efeitos desse medo em<br />
Bunyan e Afonso de Ligório são caracteristicamente bem diversos: o mesmo<br />
medo que instiga este último à humilhação de si nos limites do concebível<br />
incita o primeiro a uma luta sem descanso e sistemática com a vida. De onde<br />
vem essa diferença?]<br />
Como associar essa tendência do indivíduo a se soltar interiormente dos laços<br />
mais estreitos com que o mundo o abraça à incontestável superioridade do<br />
calvinismo na organização social, 31 à primeira vista parece um enigma. É que,<br />
por estranho que possa parecer de início, tal superioridade é simplesmente<br />
resultado daquela conotação específica que o “amor ao próximo” cristão deve ter<br />
assumido sob a pressão do isolamento interior do indivíduo exercida pela fé<br />
calvinista. [A princípio ela é de fundo dogmático. 32 ] O mundo está destinado a<br />
isto [e apenas a isto]: a servir à autoglorificação de Deus; o cristão [eleito] existe<br />
para isto [e apenas para isto]: para fazer crescer no mundo a glória de Deus,<br />
cumprindo, de sua parte, os mandamentos Dele. Mas Deus quer do cristão uma<br />
obra social porque quer que a conformação social da vida se faça conforme seus<br />
mandamentos e seja endireitada de forma a corresponder a esse fim. O trabalho<br />
social 33 do calvinista no mundo é exclusivamente trabalho in majorem Dei<br />
gloriam {para aumentar a glória de Deus}. Daí por que o trabalho numa profissão<br />
que está a serviço da vida intramundana da coletividade também apresenta esse<br />
caráter. Nós vimos já em Lutero a derivação da divisão do trabalho em profissões<br />
a partir do “amor ao próximo”. Mas aquilo que nele não passou do estágio de um<br />
ensaio ainda incerto, [de pura construção ideal], nos calvinistas tornou-se parte