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A Etica Protestante E o Espirit - Max Weber

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aplauso de um mundo inteiro [de crentes] — o estado de espírito do crente<br />

puritano que no fundo só se ocupa consigo mesmo e só pensa na própria<br />

salvação, conforme se vê pelos diálogos edificantes que no caminho ele trava<br />

com outros peregrinos movidos pela mesma ambição e que lembram [mais ou<br />

menos] os Gerechter Kammacher de Gottfried Keller. É só quando já está salvo<br />

que lhe ocorre a ideia de que seria bom ter a família junto de si. O medo da<br />

morte e do além-túmulo que o atormenta é o mesmo que se pode sentir, tão<br />

penetrante, em Afonso de Ligório na descrição de Döllinger — a léguas de<br />

distância do espírito de orgulhosa intramundanidade a que Maquiavel dá voz<br />

quando faz o elogio daqueles cidadãos florentinos — em luta contra o papa e o<br />

interdito {episcopal} — para os quais “o amor por sua cidade natal estava acima<br />

do medo pela salvação de suas almas” [e, claro, ainda mais distante de<br />

sentimentos como os que Richard Wagner põe nos lábios de Siegmund antes do<br />

combate mortal: “Salve Wotan, salve Valhala... Das ásperas delícias do Valhala,<br />

não me fales nada, deveras”. Só que precisamente os efeitos desse medo em<br />

Bunyan e Afonso de Ligório são caracteristicamente bem diversos: o mesmo<br />

medo que instiga este último à humilhação de si nos limites do concebível<br />

incita o primeiro a uma luta sem descanso e sistemática com a vida. De onde<br />

vem essa diferença?]<br />

Como associar essa tendência do indivíduo a se soltar interiormente dos laços<br />

mais estreitos com que o mundo o abraça à incontestável superioridade do<br />

calvinismo na organização social, 31 à primeira vista parece um enigma. É que,<br />

por estranho que possa parecer de início, tal superioridade é simplesmente<br />

resultado daquela conotação específica que o “amor ao próximo” cristão deve ter<br />

assumido sob a pressão do isolamento interior do indivíduo exercida pela fé<br />

calvinista. [A princípio ela é de fundo dogmático. 32 ] O mundo está destinado a<br />

isto [e apenas a isto]: a servir à autoglorificação de Deus; o cristão [eleito] existe<br />

para isto [e apenas para isto]: para fazer crescer no mundo a glória de Deus,<br />

cumprindo, de sua parte, os mandamentos Dele. Mas Deus quer do cristão uma<br />

obra social porque quer que a conformação social da vida se faça conforme seus<br />

mandamentos e seja endireitada de forma a corresponder a esse fim. O trabalho<br />

social 33 do calvinista no mundo é exclusivamente trabalho in majorem Dei<br />

gloriam {para aumentar a glória de Deus}. Daí por que o trabalho numa profissão<br />

que está a serviço da vida intramundana da coletividade também apresenta esse<br />

caráter. Nós vimos já em Lutero a derivação da divisão do trabalho em profissões<br />

a partir do “amor ao próximo”. Mas aquilo que nele não passou do estágio de um<br />

ensaio ainda incerto, [de pura construção ideal], nos calvinistas tornou-se parte

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