21.03.2017 Views

A Etica Protestante E o Espirit - Max Weber

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

dessa atmosfera de vida — no campo da charitas reformada {calvinista}, famosa em<br />

certos aspectos com toda a justiça: os órfãos de Amsterdã, vestidos [ainda no século XX]<br />

com seus paletós e calças divididos verticalmente em duas metades, uma preta e uma<br />

vermelha, ou uma vermelha e a outra verde — uma espécie de traje de bufão —, e<br />

levados em cortejo até a igreja: era sem sombra de dúvida um espetáculo extremamente<br />

edificante para a sensibilidade do passado, e servia à glória de Deus na exata medida em<br />

que todo sentimento pessoal “de humanidade” não podia senão se sentir ultrajado com<br />

aquilo. E o mesmo acontecia, como veremos ainda, em todas as minúcias da atividade<br />

profissional privada. — Naturalmente, tudo isso representa apenas uma tendência, e<br />

mais adiante vamos ter que delimitá-la melhor. Mas era preciso insistir nisso como uma<br />

tendência — na verdade uma tendência muito importante — dessa religiosidade<br />

ascética.<br />

36. [Em todos esses aspectos é muito outra a ética de Port-Royal, também<br />

determinada pela predestinação, porém com uma orientação mística e extramundana,<br />

isto é: catolicamente orientada (ver Honigsheim, op. cit.).]<br />

37. Hundeshagen (Beiträge zur Kirchenverfassungsgeschichte und Kirchenpolitik, 1864, p.<br />

37) sustenta a tese — desde então frequentemente repetida — de que o dogma da<br />

predestinação era doutrina de teólogos, não doutrina popular. Isso só será correto se<br />

pelo conceito de “povo” entendermos a massa das camadas inferiores sem instrução. [E<br />

mesmo assim, só se ela for muito bem delimitada. Nos anos 40 do século XIX, Köhler<br />

(op. cit.) achava justamente isso, que na Holanda era a “massa” (ele queria dizer a<br />

pequena burguesia) que pendia para o predestinacionismo estrito: lá, quem quer que<br />

negasse o duplo decreto era considerado um herege, um réprobo. A ele próprio lhe<br />

perguntaram pela data de sua regeneração (entendida em termos predestinacionistas).<br />

Da Costa e o cisma de De Kocksche também receberam a marca dessa influência.] Não<br />

só Cromwell — a quem Zeller (Das theologische System Zwinglis, p. 17) considerou um<br />

caso exemplar paradigmático do efeito do dogma da predestinação —, mas também os<br />

seus santos sabiam todos muito bem do que se tratava, e os cânones dos sínodos de<br />

Dordrecht e Westminster relativos a essa doutrina foram assunto de interesse nacional<br />

em grande estilo. [Os tryers {examinadores} e os ejectors {ejetores} que Cromwell instituiu<br />

só deixavam passar quem era predestinacionista, e Baxter (Life, I, p. 72), embora<br />

adversário quanto ao mais, julga notável o efeito disso sobre a qualidade do clero.] Está<br />

absolutamente fora de cogitação que os pietistas reformados participantes de<br />

conventículos, ingleses e holandeses, não tivessem claro conhecimento da doutrina: era<br />

justamente ela que os impelia a viver juntos em busca da certitudo salutis. O que<br />

significasse ou deixasse de significar a predestinação enquanto doutrina de teólogos, isso<br />

se pode mostrar indiretamente via catolicismo eclesiasticamente correto, ao qual de<br />

forma alguma ela permaneceu alheia como se fosse doutrina esotérica e vacilante. (O<br />

ponto decisivo a respeito era que sempre se repudiou a opinião de que o indivíduo<br />

devesse reputar-se e comportar-se como eleito. Sobre a doutrina católica, ver por exemplo<br />

em Ad. van Wyck, Tract. De praedestinatione, Colônia, 1708. [Até que ponto era correta a<br />

doutrina da predestinação de Pascal, não será aqui analisado.]) Hundeshagen, que não

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!