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aristocracia religiosa dos santos que se desenvolveu em todo o leque da ascese<br />
calvinista, quanto mais se levava a sério, mais segura de si se mostrava e em<br />
seguida — esse foi o caso da Holanda — passou a se organizar voluntariamente<br />
no interior mesmo da Igreja na forma de conventículos, ao passo que no<br />
puritanismo inglês ela levou, em parte, a que a distinção formal entre cristãos<br />
ativos e passivos fosse incorporada na constituição da Igreja e, em parte,<br />
conforme já dissemos antes, à formação de seitas.<br />
O desenvolvimento do pietismo alemão em terreno luterano — associado aos<br />
nomes de Spener, Francke, Zinzendorf — afasta-nos desde logo do terreno da<br />
doutrina da predestinação. Mas sem que necessariamente se desviasse ela<br />
própria daquelas linhas de ideias de cujo conjunto foi uma coroação lógica,<br />
como atesta especialmente a influência do pietismo anglo-holandês sobre<br />
Spener, por ele mesmo reivindicada de voz própria e promovida, por exemplo, na<br />
leitura de Bailey em seus primeiros conventículos. 119 Seja como for, do nosso<br />
ponto de vista específico, o pietismo significou unicamente a penetração da<br />
conduta de vida metodicamente cultivada e controlada, isto é, da conduta de<br />
vida ascética, até mesmo em zonas de religiosidade não calvinista. 120 Mas ao<br />
luteranismo não era dado sentir tal ascese racional a não ser como um corpo<br />
estranho, e a falta de coerência da doutrina pietista alemã se explica pelas<br />
dificuldades daí decorrentes. Para a fundamentação dogmática da conduta de<br />
vida religiosa sistemática, Spener combinou linhas de ideias luteranas com um<br />
marcador especificamente calvinista, a saber, as boas obras realizadas enquanto<br />
tais “em vista da honra de Deus”, 121 e com a crença, de ressonâncias igualmente<br />
calvinistas, na possibilidade dada aos regenerados de alcançarem relativo grau de<br />
perfeição cristã. 122 Só que faltava justamente coerência à teoria: o caráter<br />
sistemático da conduta de vida cristã, que era essencial também ao seu pietismo,<br />
Spener, fortemente influenciado pelos místicos, 123 tratou mais de descrevê-lo de<br />
maneira um tanto imprecisa embora essencialmente luterana, do que de<br />
fundamentá-lo; ele não fez derivar a certitudo salutis da santificação invocando a<br />
ideia da comprovação, mas, em vez dela, escolheu a vinculação mais frouxa com<br />
a fé de cunho luterano, 124 antes mencionada. Mas a cada vez que no pietismo o<br />
elemento ascético-racional mantinha predominância sobre a parte do<br />
sentimento, as concepções que do nosso ponto de vista são decisivas pleiteavam<br />
seu direito, a saber: 1) o desenvolvimento metódico da santidade pessoal em<br />
crescente solidez e perfeição, controlada a partir da Lei, era sinal do estado de<br />
graça; 125 2) era a Providência de Deus que “operava” naqueles que assim se<br />
aperfeiçoavam, e o sinal disso estava em sua paciente perseverança e reflexão