You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
concepção do ódio entranhado com que a atitude contemplativa de Pascal<br />
sonegava apreço à ação no mundo, a qual, segundo a sua mais profunda<br />
convicção, só era explicável pela vaidade ou pela astúcia 62 — mas ainda mais<br />
distante da generosa e utilitária adaptação ao mundo promovida pelo<br />
probabilismo jesuíta.] Quanto porém a apresentar no detalhe a significação<br />
prática desse feito do protestantismo, geralmente isso vem mais como coisa<br />
sentida confusamente do que sabida claramente.<br />
Antes de tudo, é escusado lembrar que não tem cabimento atribuir a Lutero<br />
parentesco íntimo com o “espírito capitalista”, seja no sentido que até agora<br />
associamos a essa expressão ou de resto em qualquer outro sentido. Os próprios<br />
círculos eclesiásticos que hoje costumam com todo o zelo exaltar o “feito” da<br />
Reforma em geral não são nada amigos do capitalismo, seja lá em que sentido<br />
for. Mas com tanto mais razão o próprio Lutero com certeza teria rejeitado<br />
rispidamente qualquer parentesco com uma disposição mental como a que vem<br />
à luz em Franklin. Claro que não cabe aduzir aqui como sintoma suas queixas<br />
contra os grandes comerciantes, os Fugger 63 e que tais. Isso porque a luta contra<br />
os privilégios de fato ou de direito de algumas grandes companhias mercantis<br />
nos séculos XVI e XVII pode muito bem ser comparada à campanha hodierna<br />
contra os trustes, e esta não menos que aquela é, em si mesma, expressão de<br />
uma disposição tradicionalista. Contra estes, contra os lombardos, os<br />
“trapezitas”, os monopolistas, os grandes especuladores e os banqueiros<br />
favorecidos pelo anglicanismo, pelos reis e pelos parlamentos na Inglaterra e na<br />
França, puritanos e huguenotes moveram uma luta encarniçada. 64 Após a<br />
batalha de Dunbar (setembro de 1650), Cromwell escreveu ao Longo<br />
Parlamento: “Vamos abolir os abusos de todas as profissões, e havendo uma que<br />
a muitos faça pobres para tornar ricos uns poucos — ela não presta para a<br />
comunidade” — e dele já se podia dizer, por outro lado, que estava imbuído de<br />
um modo de pensar especificamente “capitalista”. 65 Em compensação, nas<br />
incontáveis declarações de Lutero contra a usura e a cobrança de juros em geral,<br />
se confrontadas com a escolástica tardia, emerge como francamente<br />
“retrógrada” (de um ponto de vista capitalista) sua representação da natureza do<br />
lucro capitalista. 66 Particularmente ele retoma aí o argumento da<br />
improdutividade do dinheiro já refutado, por exemplo, por Antonino de<br />
Florença. Mas nós não precisamos entrar em detalhes aqui, sobretudo porque a<br />
ideia de “vocação” em sentido religioso, nas suas consequências para a conduta<br />
de vida intramundana, era suscetível de configurações muito diversas. [O feito<br />
propriamente dito da Reforma consistiu simplesmente em ter já no primeiro