José Osvaldo De Meira Penna
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isto é, na política e na economia, uma tendência irresistível a raciocinar<br />
unicamente de modo "venal", "desprezando o bem público". Agostinho percebeu,<br />
na linha de São Paulo e, a meu ver, com mais arguta psicologia, que o homem é<br />
complexo e contraditório, é ao mesmo tempo, cidadão das Duas Cidades. A<br />
polaridade do egoísmo e do altruísmo encontra-se, entranhada, na alma de cada<br />
um. Todos defendemos nossos interesses. Todos, também, em maior ou menor<br />
grau, procuramos hesitantemente ou pensamos servir o Bem Comum. É<br />
racionalmente impossível fixar uma linha divisória, clara e precisa, entre o âmbito<br />
de ação da "venalidade" egoísta e da dedicação ao Bem Comum. A distinção não<br />
é consciente, nem pode ser determinada cartesianamente. É essa aparente falta<br />
de compreensão da natureza humana, contraditória como é, o que torna indigesta<br />
a postura excessivamente intelectualizada e rabínica da Escolástica. Donde o<br />
nefelibatismo das objurgações estéreis em torno da "justiça social", do "salário<br />
justo", do "preço justo", das "necessidades" vitais e assim por diante. Donde<br />
também a tendência tradicional da Igreja de favorecer soluções autoritárias,<br />
planejadoras ou do tipo que Hayek chama de "construtivistas": na Idade Média, o<br />
apoio ao corporativismo; no princípio da Idade Moderna, a sustentação da<br />
intervenção estatal absolutista no mercantilismo; e, a partir do século XIX, as<br />
simpatias crescentes pelo socialismo, acoimado de "cristão".<br />
A difícil opção em que nos encontramos entre socialismo e capitalismo, e a<br />
correspondente perplexidade da Igreja brasileira, também teriam a mesma origem<br />
na dúvida quanto à moralidade do dinheiro ganho pela usura capitalista. A<br />
contradição penetra insidiosamente nas mais avançadas declarações da Santa<br />
Sé. A Igreja não quer parecer "desatualizada", mas ao mesmo tempo não deseja<br />
repudiar a tradição evangélica. Revela, por um lado, o enfado franciscano contra o<br />
rico, condena o espírito de lucro e a ostentação do luxo. Mas, por outro lado,<br />
interessa-se pelo desenvolvimento econômico e aplaude o populorum progressio.<br />
Ao mesmo tempo em que parece condenar os ricos, deseja que todo o mundo se<br />
enriqueça. E, ao aceitar o mundo moderno, não pode deixar de reconhecer que o<br />
desenvolvimento material tende a corromper a família e a desagregar a moral<br />
cristã. Afinal de contas, se desenvolvimento significa tornar todo o mundo mais<br />
rico, que dizer de uma interpretação marxista do Evangelho segundo Mateus? Que<br />
pensar da entrada de um rico no reino dos Céus - a qual seria mais difícil do que a<br />
passagem de um camelo pelo buraco de uma agulha? E se a pobreza é<br />
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