O Sacrifício - Unama
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Em casa, quando a viam vencer ao piano algumas das grandes dificuldades<br />
que as óperas oferecem, diziam:<br />
— Não nega que é filha de quem é!<br />
Não andava longe da verdade a gente do engenho, quando se exprimia a<br />
respeito de Virgínia, nesse desataviado modo porque o povo traduz os seus<br />
conceitos. A verdade, porém, a verdade completa, era que a menina trouxera do<br />
berço, com o talento, outros muitos tesouros, a saber, juízo, porque, cada uma<br />
destas virtudes é uma grandeza, capaz por si só de caracterizar, não dizemos tudo,<br />
de encher uma existência.<br />
Quando Maurícia chegou ao engenho, Virgínia, com ser muito nova, tinha já<br />
quase completa sua educação. As qualidades insignes que brilhavam em sua mãe,<br />
por uma como reprodução mágica, se tinham continuado nela porventura mais vivas<br />
e adoráveis.<br />
Paulo ficou extasiado diante daquela criaturinha que escrevia e falava<br />
corretamente o francês, tocava graciosamente piano, entendia de geografia e<br />
desenho, cosia, bordava; Virgínia pagou igual tributo de admiração: achou em Paulo<br />
tamanha candura, tanta conveniência nas ações, tanta compostura no dizer, no<br />
olhar, no falar, no sorrir, que não pode deixar de comunicar a Maurícia sua<br />
impressão; e o fez nestes termos:<br />
— Que bonitos modos tem o filho do Sr. Albuquerque, mamãe!<br />
Estas duas admirações tão irmãs, tão naturais, tão espontâneas, de duas<br />
organizações virgens, de diferente sexo, só podiam trazer um resultado — a<br />
enamoração mútua, o que queria indicar um sentimento comum — o amor. Mas este<br />
amor nasceu sem fogo, sem veemência, sem estridor; nasceu límpido e brando,<br />
como nasce no deserto, por sob a folhagem, cristalina fonte, cujas águas o sol não<br />
queima e a tempestade não revolve. Foi um relâmpago que fulgiu ao longe; todos<br />
viram o seu clarão, mas ele não deslumbrou ninguém, e não foi seguido de<br />
medonho estrondo.<br />
Testemunhemos uma das manifestações desse amor.<br />
Uma tarde, Albuquerque, de passagem para o cercado, ouviu o rumor das<br />
vozes dos dois jovens em colóquio no oitão da casa. Estavam sentados sobre uma<br />
viga de sucupira, que ali esperava, ao tempo, o verão para ir substituir uma trave<br />
podre da coberta.<br />
Era longe deles o pensamento de ocultar-se às vistas da família.<br />
Encontraram-se por ali casualmente. Paulo por ocasião de ir verificar quantas formas<br />
havia na casa de purgar. Virgínia de caminho para a choupana de uma moradora a<br />
quem devia encomendar umas varas de rendas de que precisava Maurícia.<br />
Sentaram-se um momento, e entraram a conversar, sem lhes ocorrer nenhum<br />
pensamento de que semelhante passo poderia dar causa a reparos.<br />
A tarde estaca deliciosa. Namorados de outra esfera, namorados da cidade,<br />
trocariam ente si, apartados como estavam eles do centro da família, frases de<br />
sentido duvidoso, e talvez amplexos e beijos, que arriscassem as canduras que<br />
velam as primeiras paixões, como as neblinas ocultam os abismos. Aqueles dois<br />
pintassilgos, porém, meigos e inocentes, tinham suaves confidências que eram mais<br />
gorjeios do que palavras.<br />
Eis o que eles diziam:<br />
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