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O Sacrifício - Unama

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www.nead.unama.br<br />

tomara no meio do mais intenso prazer que sonhara. Era a segunda vez que se lhe<br />

deparava na vida o espetáculo da morte de uma pessoa cara. As lágrimas em<br />

borbotões começaram a cair-lhe pelas faces e a formar uma poça cristalina, onde se<br />

refletia a luz já então acesa.<br />

Vendo-o chorar, D. Matilde entrou a chorar, também. E por esta forma se<br />

trocaram sorrisos em lágrimas, doces comoções por aflições pungentes.<br />

Horas depois, Ângelo deitado no sofazinho de vime do seu aposento, tendo a<br />

cabeça sobre as pernas de D. Matilde, ouviu desta a narração dos últimos dias de<br />

vida de Maurícia. O que a mãe contou ao filho pode resumir-se no seguinte:<br />

Certa manhã, Maurícia sentira-se sem forças para levantar-se da cama.<br />

Passara a noite prostrada e febril. Nas faces, lívida cor substituíra as mimosas tintas<br />

esparzidas aí meses antes pelo pincel do artista insigne que se chama saúde, ou<br />

antes tranqüilidade espiritual. O vigor, e com ele a vida fugiam espavoridos.<br />

A doença trouxe grandes sustos à família. Em conversação com a mulher,<br />

Albuquerque, que já tinha notado dias atrás os progressos da decadência física<br />

dessa criatura robusta, que os sofrimentos mais cruéis nunca tinham podido vencer,<br />

e que, ao contrário, de todos triunfara.<br />

Virgínia muitas vezes surpreendera a mãe chorando em silêncio. Empregara<br />

todo o esforço para saber a origem dessas lágrimas, que levavam dor mortal<br />

diretamente ao seu coração; mas nem de longe Maurícia dera a entender a<br />

verdadeira causa delas. Uma vez disse à filha, depois de fugir por muitos modos às<br />

suas indagações.<br />

— Não te assustes com o meu pranto, Virgínia. Não és tu feliz? A tua<br />

felicidade não vai aumentar com o nascimento do primeiro fruto do teu amor? Deixame<br />

chorar em silêncio; choro sem causa; as minhas lágrimas provêm de uma<br />

melancolia que eu não compreendo e não posso explicar.<br />

Naquele dia, Maurícia pedira Albuquerque que mandasse por os cavalos na<br />

carruagem; queria ir à estrada de João de Barros; tinha muitas saudades de<br />

Eugênia; queria vê-la. À noitinha a mãe e a filha entraram em casa de Martins.<br />

— Venho vê-los — disse aquela, entrando; e creio que daqui não sairei mais,<br />

senão para o cemitério. Procuro uma região aprazível para exalar o meu último<br />

suspiro.<br />

Martins e Eugênia, que não sabiam da doença da parenta, sentiram uma<br />

impressão dolorosa, vendo-a naquela abatimento geral, que indicava próximo<br />

acabamento, e ouvindo palavras que pareciam anunciá-lo já.<br />

Nessa mesma noite, Maurícia mandou dizer a Sinhazinha que a viesse ver, e<br />

ela não se fez esperar. Aquelas duas mulheres, que estavam padecendo do mesmo<br />

mal, abraçaram-se com ternura.<br />

— Ainda está muito descrente, Sinhazinha? — perguntou-lhe Maurícia.<br />

— Cada vez estou mais. A sinceridade fugiu do mundo.<br />

— Você não tem razão para dizer isso. Deixe-se de descrença. Seu futuro<br />

está clareando. A tempestade cessará brevemente, e surgirá depois um dia risonho<br />

e esplêndido, que há de acompanhá-la por toda a vida sem nuvens e sem ventanias.<br />

— Qual, D. Maurícia! A senhora diz-me estas coisas tão bonitas para<br />

consolar-me. Ninguém melhor do que a senhora sabe que as minhas ilusões<br />

murcharam e secaram.<br />

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