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O Sacrifício - Unama

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www.nead.unama.br<br />

rapariga, o princípio de uma perna alentada sobre a qual ela se derreava<br />

sobraçando a trouxa. A cabeça guarnecida de cachos, os seios salientes, o corpo,<br />

que parecia não caber no cabeção e na saia escassa, levemente encurvado sobre o<br />

dorso, davam-lhe certos jeitos e certa nudez de ninfa, que o lugar ermo e a hora<br />

crepuscular armavam com mil perigos.<br />

— Que diabo irritante! — disse Bezerra.<br />

E não pode vencer a provocação. Voltou.<br />

— O senhor sabe onde moro? É ali embaixo. Se não quiser ir mesmo, pode<br />

mandar para lá o vestido que mamãe recebe. Olhe, a casa é ali à mão direita depois<br />

e passar a porteira.<br />

Janoca deu o andar.<br />

— Se quer ver a casa, venha comigo. Não tenha medo, que ninguém há de<br />

nos ver.<br />

— Sempre quero saber onde é que tens o teu inferno, demônio! — disse<br />

Bezerra, seguindo atrás da rapariga.<br />

Bezerra tinha a infelicidade de sentir particular predileção por esta espécie de<br />

gente. Uma mestiça, quase da mesma idade de Janoca, levara-o a praticar loucuras<br />

no Pará alguns meses antes; uma fora causadora de grandes desastres em sua vida.<br />

Testemunhando essas trivialidades indignas, Maurícia passou da suprema<br />

satisfação à suprema pena. A transição foi rápida e cruel. A exaltação em que<br />

estava favoreceu este resultado. Ódio e asco sentia ela pelo marido, que nunca se<br />

mostrara digno de sua companhia; mas, nesse momento, pungiu-lhe o coração,<br />

além de tais sentimentos, outro que nunca lhe parecera pudesse inspirar-lhe o<br />

objeto deles — um ciúme inexplicável, incompreensível, paixão nova que pela<br />

primeira vez penetrou nas carnes do seu coração as aceradas garras.<br />

Através da palha da casa e por entre as sombras do crepúsculo, Maurícia viu<br />

o marido usar adiante um gesto que cada vez aguçou mais a ponta do espinho que<br />

já a lacerava. Bezerra, olhando, como quem espreitava, a um e a outro lado, passou<br />

o braço direito à roda da cintura da mestiça, e cosido com ela lhe segredou ao<br />

ouvido palavras que a mulher não pode ouvir, mas supôs adivinhar.<br />

— É o mesmo homem! — disse Maurícia com entranhável dor no coração.<br />

Mas se é o mesmo que dantes, deverei acaso voltar à sua companhia para ser<br />

espectadora de mais uma cena destas?<br />

Desejara ouvir tudo; desejara ir atrás dele, pé ante pé, ainda que isto lhe<br />

parecesse pouco digno de si, para não perder uma só palavra dessa conversação<br />

indecente; mas semelhante intento era irrealizável; demais urgia deixar o<br />

esconderijo. Saiu cautelosamente. Estava quase fora de si.<br />

Tanto que se viu do lado de fora, correu tão velozmente como pode, até<br />

alcançar o laranjal. Protegida por este e estugando sempre os passos, chegou a<br />

dentro em pouco tempo à casa do engenho.<br />

Estava pálida, fria e trêmula. O seu coração tinha servido aquela tarde de<br />

campo de muitas batalhas que ela saíra já vencedora, já vencida.<br />

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