O Sacrifício - Unama
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rapariga, o princípio de uma perna alentada sobre a qual ela se derreava<br />
sobraçando a trouxa. A cabeça guarnecida de cachos, os seios salientes, o corpo,<br />
que parecia não caber no cabeção e na saia escassa, levemente encurvado sobre o<br />
dorso, davam-lhe certos jeitos e certa nudez de ninfa, que o lugar ermo e a hora<br />
crepuscular armavam com mil perigos.<br />
— Que diabo irritante! — disse Bezerra.<br />
E não pode vencer a provocação. Voltou.<br />
— O senhor sabe onde moro? É ali embaixo. Se não quiser ir mesmo, pode<br />
mandar para lá o vestido que mamãe recebe. Olhe, a casa é ali à mão direita depois<br />
e passar a porteira.<br />
Janoca deu o andar.<br />
— Se quer ver a casa, venha comigo. Não tenha medo, que ninguém há de<br />
nos ver.<br />
— Sempre quero saber onde é que tens o teu inferno, demônio! — disse<br />
Bezerra, seguindo atrás da rapariga.<br />
Bezerra tinha a infelicidade de sentir particular predileção por esta espécie de<br />
gente. Uma mestiça, quase da mesma idade de Janoca, levara-o a praticar loucuras<br />
no Pará alguns meses antes; uma fora causadora de grandes desastres em sua vida.<br />
Testemunhando essas trivialidades indignas, Maurícia passou da suprema<br />
satisfação à suprema pena. A transição foi rápida e cruel. A exaltação em que<br />
estava favoreceu este resultado. Ódio e asco sentia ela pelo marido, que nunca se<br />
mostrara digno de sua companhia; mas, nesse momento, pungiu-lhe o coração,<br />
além de tais sentimentos, outro que nunca lhe parecera pudesse inspirar-lhe o<br />
objeto deles — um ciúme inexplicável, incompreensível, paixão nova que pela<br />
primeira vez penetrou nas carnes do seu coração as aceradas garras.<br />
Através da palha da casa e por entre as sombras do crepúsculo, Maurícia viu<br />
o marido usar adiante um gesto que cada vez aguçou mais a ponta do espinho que<br />
já a lacerava. Bezerra, olhando, como quem espreitava, a um e a outro lado, passou<br />
o braço direito à roda da cintura da mestiça, e cosido com ela lhe segredou ao<br />
ouvido palavras que a mulher não pode ouvir, mas supôs adivinhar.<br />
— É o mesmo homem! — disse Maurícia com entranhável dor no coração.<br />
Mas se é o mesmo que dantes, deverei acaso voltar à sua companhia para ser<br />
espectadora de mais uma cena destas?<br />
Desejara ouvir tudo; desejara ir atrás dele, pé ante pé, ainda que isto lhe<br />
parecesse pouco digno de si, para não perder uma só palavra dessa conversação<br />
indecente; mas semelhante intento era irrealizável; demais urgia deixar o<br />
esconderijo. Saiu cautelosamente. Estava quase fora de si.<br />
Tanto que se viu do lado de fora, correu tão velozmente como pode, até<br />
alcançar o laranjal. Protegida por este e estugando sempre os passos, chegou a<br />
dentro em pouco tempo à casa do engenho.<br />
Estava pálida, fria e trêmula. O seu coração tinha servido aquela tarde de<br />
campo de muitas batalhas que ela saíra já vencedora, já vencida.<br />
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