O Sacrifício - Unama
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www.nead.unama.br<br />
sociedade, Maurícia, como é. Se não lhe agrada esta constituição social, tenha<br />
paciência, resigne-se. Nenhuma outra será possível, senão passados muitos<br />
tempos, e revolvida a atual sociedade desde as suas raízes. Que prejuízo lhe causo<br />
com os meus pequeninos passatempos?<br />
— A mim não me causa nenhum prejuízo, senhor, o que me causa é<br />
vergonha. Este sentimento é inseparável de toda mulher que, posto educada em<br />
Paris, de pequena se afez a ver a maior moralidade no lar dos seus pais, e receber<br />
dos seus mestres lições inspiradas em tal sentimento, base da família nos tempos<br />
felizes, e o seu esteio, que a impede de vir à terra, quando sopra o furacão dos<br />
contratempos. A vergonha é inseparável dos meus olhos, porque eu nunca vi na<br />
casa paterna, nunca vi na casa do meu protetor as lastimosas e indignas cenas que<br />
o senhor representou em minha casa nos primeiros anos do meu casamento, e<br />
agora reproduz depois de empregar os maiores esforços a fim de que eu voltasse<br />
para a sua companhia. Priva-me da porta do meu quarto, único meio, que me<br />
restava, de cobrir-me contra os seus insultos grosseiros, de resguardar os meus<br />
melindres ofendidos por seus ignominiosos amores de palhoça e de cozinha!<br />
Espantado, senão atemorizado desta rápida síntese de suas vilezas, que<br />
Maurícia fizera com a mesma mobilidade meridional, onde a sua linguagem afetiva<br />
deparava raros atavios e encantos, Bezerra, que, ao princípio julgara esmagá-la com<br />
sua hostilidade cínica, sobresteve entre o receio de perder a vasa e a dificuldade de<br />
a não fazer brava. Quis interromper Maurícia com algumas palavras de dureza, mas<br />
ela, ou porque estava cheia de razão, ou porque a sua exaltação lhe não dava lugar<br />
a atender senão à sua grande dor, prosseguiu com a mesma veemência que tivera<br />
até aí:<br />
— Cumpre absolutamente que de uma vez nos entendamos sobre o melhor<br />
modo de carregar a pesada cruz de um casamento desigual. Estou por tudo, menos<br />
pelo aviltamento. Por que procede tão vilmente comigo?<br />
Bezerra sorriu cinicamente, e respondeu em termos ignóbeis.<br />
Então, Maurícia ergueu-se arrebatadamente, mostrando no gesto indício de<br />
entranhada indignação.<br />
— Se o senhor tem este direito, igual devo ter eu. Mas não! — acudiu<br />
imediatamente. Ainda que mo assegurassem...<br />
Maurícia não pode concluir a frase. Bezerra, de pé ao lado dela, ameaçava<br />
despedaçar-lhe a cabeça com o martelo que tinha na mão.<br />
— A senhora não sabe o que disse. Quer fazer de mim um assassino?<br />
Maurícia retorquiu sem se acovardar:<br />
— Assassino já é o senhor, assassino do meu modesto e inofensivo sossego;<br />
pode bem assassinar-me agora.<br />
As lágrimas saltaram com veemência dos olhos de Maurícia que se sentara<br />
novamente.<br />
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