O Sacrifício - Unama
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E levantou-se para por o charuto fora.<br />
Com pouco, concluído o ensaio do coro, Maurícia e as outras senhoras<br />
passaram à sala de jantar, onde se serviu o chá. Ângelo não falou mais com Maurícia<br />
esta noite. Às dez horas, despediu-se, tomou com sua mãe o caminho da casa.<br />
Nessa mesma note, Maurícia soube que tinham cessado as relações de<br />
Ângelo e Júlia. Martins referiu com demonstrações de satisfação a parte essencial<br />
da entrevista no escritório. Já era meio caminho andado. Esta revelação veio mudar<br />
os seus planos de luta para tirar o bacharel do poder da atriz. Tinha vindo mais para<br />
entrar nessa luta do que para praticar devoção, visto que tomara à sua conta o<br />
futuro de Sinhazinha. Mas sendo outras as circunstâncias, julgou conveniente<br />
aproveitar-se das facilidades que elas ofereciam. A luta agora deveria travar-se<br />
exclusivamente com o bacharel. Maurícia esperou pela primeira ocasião.<br />
Esta ofereceu-se na noite seguinte, depois da conversa. Havia luar. A<br />
temperatura estava fresca e saudável. Maurícia propôs um passeio pela estrada, e a<br />
sua proposta foi aceita. Dividiu-se o juntamento deste modo: Alfredo e Iaiá rompiam<br />
a marcha; duas senhoras do Recife, que tinham ficado por instâncias de Martins e<br />
Eugênia, seguiram com estes após aqueles; Sinhazinha e D. Matilde seguiram, após<br />
o segundo grupo; Maurícia e Ângelo iam atrás de todos.<br />
diga?<br />
— Está zangado comigo? — perguntou Maurícia ao advogado.<br />
— Queria que eu não ficasse magoado com os seus cruéis desenganos?<br />
— Mas o que lhe posso dizer, Sr. Dr. Ângelo? Que quer o senhor que eu lhe<br />
— Quero que me diga que corresponde e corresponderá ao meu afeto com a<br />
veemência que é o primeiro sinal, ou antes, a essência do meu. Não lhe mereço este<br />
sentimento? Não tenho mais nada com mulher nenhuma. Deixe que eu seja franco.<br />
Durante alguns dias, senti certa simpatia, inclinação por Sinhazinha; ela não é feia; é<br />
até elegante e tem muito boas qualidades espirituais. Percebi essa inclinação e<br />
cheguei a alimentar, por palavras e obras, no espírito da Sinhazinha a esperança de<br />
vir a ser, no futuro, seu marido. Eu estava por esse tempo inteiramente<br />
desenganado do seu amor, D. Maurícia. A senhora tinha voltado à vida conjugal; sua<br />
filha tinha casado; tive por certo que nunca mais se mudassem estas circunstâncias,<br />
que excluíam qualquer possibilidade de reatarmos as nossas relações violentamente<br />
despedaçadas pela sua ilusória reconciliação. Descrente, descontente, sentindo<br />
dentro em minha alma dobrado vácuo deixado pela morte do seu amor e pela morte<br />
de meu pai, era fácil ser atraído por essa gentil menina e ficar algum tempo enleado.<br />
Eu achara graça na sua modéstia, na sua timidez e, sobretudo, nas suas<br />
idealidades, porque eu estava sem ideal. Depois, conheci outra mulher, que, por<br />
seus sentimentos arrebatados, seus talentos artísticos me teve preso por poucos<br />
meses junto dela, numa ilusão confusa e atordoada, humaníssima, no estado em<br />
que eu vivia. Quando esse astro desapareceu dos meus olhos, tinha já fugido antes<br />
dele do meu pensamento a imagem da jovem singela, que fora o meu santelmo nos<br />
mares cruzados da vida e — coisa singular! na imensidade do meu espírito, assim<br />
desocupado, ressurgiu a sua forma, a sua pessoa, que eu julgava de todo morta. Eis<br />
a verdade. Pois bem: quando eu esperava que as suas primeiras palavras para mim<br />
fossem poemas de consolação e idílios de esperança; quando eu supunha que,<br />
estando a senhora livre como está — e para sempre, porque seu marido não há de<br />
tornar mais nunca — não teria para mim a expansão franca e espontânea do amor<br />
imenso que é compatível com o seu imenso coração, o que cai dos seus lábios, no<br />
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