O Sacrifício - Unama
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Esta linguagem na boca de Albuquerque era a maior das contradições, e só<br />
indicava que os merecimentos de Maurícia e Virgínia tinham dado golpe profundo no<br />
preconceito que fora até então a primeira lei moral do senhor do engenho.<br />
— Eu também não estou longe de pensar com você neste ponto. Mas então,<br />
vejo lá aonde isso irá ter, porque a afeição deles, com a docilidade que há, irá<br />
aumentando de dia em dia, e D. Maurícia não cessa de dizer que nunca mais voltará<br />
para a companhia do marido. Veja, então, o que se há de fazer, concluiu D. Carolina.<br />
Assim como aos olhos dos pais de Paulo os colóquios entre este e Virgínia<br />
pareceram depressa adverti-los que deviam velar sobre o futuro do filho, assim<br />
também aos de Maurícia eles indicaram os perigos que cercavam sua filha, não<br />
obstante a pureza e a grandeza do grande afeto dos dois jovens. Desde que<br />
conheceu a inclinação de Virgínia, começou a ter cuidados, vigilância,<br />
estremecimentos e apreensões pela menina. “Hoje são puros, ingênuos, infantis” dizia<br />
consigo no fundo do aposento, que se lhe havia destinado no sobrado da casa da<br />
vivenda. Mas quem me assegura que há de ser sempre uma inocente égloga o amor<br />
deles? E se Virgínia, ainda quando seja sempre digna do seu nome, viesse Paulo a<br />
preferir outra mulher, sua prima por exemplo, quem lhe resgataria o dano que, depois<br />
de conhecidas as relações deles dois atualmente, semelhante acontecimento deveria<br />
trazer? Que imputações cruéis as línguas viperinas não se julgariam com o direito de<br />
irrogar a minha querida filha? Isso não pode continuar assim.<br />
Maurícia tomou uma resolução súbita, e desceu à sala de visitas, onde<br />
Albuquerque estava lendo os jornais daquele dia.<br />
— Sr. Albuquerque — disse ela, não sem rápidos toques de palidez nas faces,<br />
e ligeiro tremor na voz — desculpe que ainda tão cedo venha tomar-lhe o tempo.<br />
— Alguma novidade D. Maurícia? — inquiriu quase sobressaltado o senhor do<br />
engenho.<br />
— Tenho por grave e por da maior conta para mim o assunto desta entrevista.<br />
— Sente-se ao pé de mim.<br />
E Albuquerque ofereceu-lhe uma cadeira.<br />
Maurícia não se demorou em falar-lhe nos termos seguintes:<br />
— O Sr. já deve ter conhecido que Paulo e Virgínia se amam, e que seu<br />
amor, ao que parece, é puro e desinteressado.<br />
— A senhora faz-me justiça quando diz que eu já devia conhecer a afeição<br />
comum ente meu filho e sua filha. De fato, essa afeição de há muito me preocupa.<br />
— Tenho perdido noites de sono somente em cuidar nisso. Vivendo eu e<br />
minha filha a bem dizer às suas expensas...<br />
— Não, senhora; em minha casa a senhora tem vivido do seu trabalho.<br />
— ... Esse amor — prosseguiu Maurícia — poderá parecer a muitos um<br />
cálculo para eu melhorar de sorte, ou uma baixa retribuição da hospitalidade que<br />
recebemos.<br />
— Em minha casa, Sra. D. Maurícia, não há ninguém, nem os meus escravos,<br />
que seja capaz de semelhante aleivosia.<br />
— Eu assim penso, Sr. Albuquerque; mas fora da casa e até fora do engenho<br />
não há de faltar quem, por maldade, inveja, ou gosto diabólico se apresse a atirar a<br />
lama sobre o véu cândido de uma menina inocente que é digna da melhor sorte.<br />
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