O Sacrifício - Unama
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www.nead.unama.br<br />
ainda quando estavas nos teus verdes anos. Este triste resultado ela o atribuiu ao<br />
teatro, que deve ser, e, quando bem compreendido, certamente escola de bons<br />
costumes, edificativa de sã moralidade por exemplos de altas virtudes sociais e<br />
domésticas. Sem o afirmar positivamente, deu-me a entender que tudo o que<br />
ganhas pela tua profissão das mãos te sai para despesas vãs e inúteis.<br />
Martins ficou aqui. Pousara as vistas no amigo, e pela expressão do<br />
semblante parecia ter toda a alma empenhada em conhecer o efeito das suas<br />
reflexões. Este não tardou muito a revelar-se; Ângelo, deixando o encosto do<br />
sofazinho, sentou-se e respondeu:<br />
— Não obstante chegarem fora de tempo os teus conselhos, ganhaste com<br />
eles novo direito à minha gratidão pela boa intenção que os inspirou.<br />
— Chegaram fora de tempo? — inquiriu Martins quase inquieto.<br />
— Estão inteiramente extintas as relações que me prendiam à Júlia.<br />
— Obrigado, obrigado, Ângelo! — disse Martins com efusão de sentimento<br />
que não pudera reter em seu coração. Está então tudo acabado?<br />
— Tudo, tudo.<br />
Martins procurava no pensamento uma forma, uma frase mais viva para<br />
manifestar o seu contentamento ao amigo de infância, quando viu nos olhos deste<br />
duas lágrimas a bailarem.<br />
Levantou-se comovido e triste. Deu alguns passos em silêncio pelo gabinete.<br />
Ângelo, compreendendo o que a sua fraqueza devera ter feito gerar-se no espírito<br />
do amigo, passou o lenço pelos olhos e foi ao encontro de Martins.<br />
— Não duvides das minhas palavras. Senti, sinto ainda o golpe, mas<br />
definitivamente está tudo acabado entre mim e essa mulher. Onde havia paixão<br />
violenta há agora uma barreira ingente, que nem eu transporei, nem ela transporá.<br />
Tive por Júlia grande amor, que ela me retribuiu com isenção de ânimo até pouco<br />
tempo. Há duas semanas comecei a notar de sua parte não só resfriamento mas<br />
esquivança. Faltou ao prometido, deixando-se ficar na caixa do teatro. Anteontem de<br />
tarde, cometi um ato de loucura. Meti-me num carro e mandei tocar para o Monteiro.<br />
Ela mora numa casa de terraço com gradil, sobranceira à estrada.<br />
— Sei onde é.<br />
— Júlia estava no terraço, quando apontei na estrada e tanto que me avistou<br />
fugiu para dentro. Fiquei indignado. Assaltou-me o pensamento de lhe fazer<br />
qualquer manifestação insultuosa; por exemplo, a de lhe atirar uma luva, se ela<br />
aparecesse no momento de passar o carro defronte da casa. Ela não apareceu, mas<br />
eu estava trêmulo de raiva, e quase não podia governar-me. Mandei parar o carro,<br />
meti num dos dedos da luva um anel, que ela me havia dado de presente, e, pondome<br />
de pé, atirei a luva e o anel por cima do gradil. Não pude dormir. Mau espírito<br />
perdeu-se em vãs conjunturas sobre a origem do desdém de Júlia para comigo.<br />
Hoje, seriam dez horas da manhã, entrei no teatro. Ela não fora ao ensaio. Quando<br />
eu saía, o porteiro veio ao meu encontro e entregou-me uma carta que podes ler.<br />
Martins tomou a carta e leu:<br />
“Não pense que sou uma mulher vulgar”. Sinto ainda pelo senhor grande<br />
paixão, não obstante ter assentado cortar todas as relações que existiam ente nós.<br />
A explicação do meu procedimento é a que passo a dar. Vieram dizer-me que sua<br />
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