O Sacrifício - Unama
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Assim falando, Maurícia tomou as última roupas, deliberada a estudar o meio<br />
mais natural eficaz de reconciliar-se, sem evidente humilhação, com Bezerra.<br />
Chegou-se ao espelho para arranjar o cabelo que se lhe espalhava pelas espáduas<br />
nuas. Tinha o rosto demudado. As cores começavam a fugir-lhe das faces. A cútis,<br />
outrora tão limpa, emurchecia agora, e mostrava-se sem a frescura de três meses<br />
atrás. Aos primeiros raios de sol, ela com espanto viu no fim da testa um cabelo que<br />
embranquecia. Era o primeiro indício do seu outono, a primeira folha, que ameaçava<br />
cair da árvore da sua mocidade. Ao cabo de mais um ano de padecimentos, não<br />
restaria dessa árvore senão o arcabouço. Duas lágrimas deslizaram-se-lhe pelas<br />
faces ameaçadas de terem para sempre perdido o lustre que lhe dava o sossego.<br />
— Estou ficando velha — disse com amargura. O sofrimento encurta a minha<br />
viagem, e, dentro em breve, terei diante dos olhos a sepultura; eu não poderei<br />
resistir por muito tempo a semelhantes tormentos. Também o meu papel no teatro<br />
do mundo parece tocar o seu termo. Virgínia está casada e amparada, e o meu<br />
coração está morto.<br />
Estas últimas palavras trouxeram-lhe à lembrança Ângelo, e não foi preciso<br />
mais para que em seu interior se derramasse a impressão de bálsamo suavíssimo.<br />
— Não! O meu coração não está morto! — disse ela de si para si. Por<br />
desgraça minha, não posso esquecer-me desse homem, ainda quando a descrença<br />
invade a minha alma, como agora, e vejo diante dos olhos o espectro da morte. Ao<br />
lado dele, a mocidade me voltaria, e com ela todos os meus sorrisos que se<br />
mudaram em lágrimas em companhia do meu cruel marido. Meu Deus, meu Deus,<br />
não há maior tormento do que este - sofrer assim, amar assim, sofrer sem tréguas e<br />
amar sem tréguas ao mesmo tempo, sofrer daquele a que se aborrece, e amar<br />
aquele de quem não se possui senão a efígie querida no seio da fantasia, e cujo<br />
nome nem ao menos é lícito proferir de modo que os ouvidos o ouçam!<br />
Maurícia sentou-se a modo de desalentada ao pé do espelho. Após as<br />
primeiras, vieram novas lágrimas porventura mais abrasadoras. Dava pena daquela<br />
silenciosa aflição.<br />
Uma discórdia entre Faustino e Brígida, cujas vozes, alteando-se<br />
gradativamente, vieram ressoar, no ambiente da alcova, arrancou Maurícia da<br />
prostração mental em que a tinham deixado os encontrados pensamentos do seu<br />
último solilóquio.<br />
Levantando-se, disse:<br />
— Deus há de ajudar-me a levar sem covardia ao Calvário a minha cruz.<br />
Façamos de conta uma vez por todas que está para sempre acabado tudo que se<br />
passou entre mim e esse homem. Sejamos de ora em diante exclusivamente a<br />
mulher casada, escrava de seu dever.<br />
Aproximando-se de uma cadeira para apanhar um lenço que aí deixara, suas<br />
vistas caíram casualmente na parte da cama, que ficava do lado da parede. Sobre o<br />
alvo lençol, neste ponto não revolvido, viam-se marcas de pés grosseiros, que<br />
indicavam pelos traços negros, terem andado em chão imundo.<br />
Maurícia mal pode descobrir esta indigna visão, sem cair ferida de vergonha e<br />
dor. Compreendeu toda a infâmia de Bezerra. Diante de tal testemunho de insólita<br />
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