O Sacrifício - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Maurícia não soube a princípio o que dizer. A sua surpresa fora grande.<br />
Confusão de prazer e descontentamento, de confiança e temor foi a primeira<br />
impressão do seu gesto, que ela não pode ocultar.<br />
— Como eu estava longe de esperá-lo por aqui! — disse revelando com<br />
franqueza toda a sua violenta impressão.<br />
A esse tempo Ângelo tinha-lhe oferecido o braço, e caminhavam juntos.<br />
— Sabendo que todos aqueles de quem a senhora devia esperar auxílio tinha<br />
tomado o partido de seu marido, julguei do meu dever vir oferecer-lhe os meus<br />
serviços. Está tudo pronto. A viagem já está contratada. Nada nos há de faltar.<br />
Embarcaremos hoje mesmo, se o quiser. Tenha confiança em mim. Meu coração<br />
está com a senhora. Defendê-la-ei em toda parte. Sacrificar-me-ei, se tanto for<br />
preciso, por lhe ser agradável. Oh! Nada me agradeça, nada me agradeça. Nada me<br />
deve. Eu, sim, tudo lhe devo. Não obstante as apreensões, as preocupações que me<br />
dominaram durante esta semana. tenho vivido mais nestes últimos dias do que vivi<br />
em todos os meus vinte e dois anos. Não percamos tempo. A senhora não tem uma<br />
pessoa por si, a não ser eu. Se demorar mais um dia no engenho, já não lhe será<br />
possível, talvez, escapar, às garras de seu marido.<br />
Para que Maurícia ajuizasse do estado moral do bacharel não era preciso<br />
mais do que acabava de ouvir. Estas palavras veementes e desconexas acusavam<br />
tal excitação em seu amigo que produziam nela certa impressão de pavor.<br />
Conheceu que a paixão que inspirara a Ângelo tinha nascido com força descomunal<br />
como a criança mitológica que sufocava no berço as serpentes. Esta grandeza<br />
lisonjeou o seu amor próprio, e, ao mesmo tempo, assustou-a. A lembrança da sua<br />
última resolução, ela ainda a trazia na memória como sombra agoureira, e foi motivo<br />
para que os seus temores aumentassem ainda mais. Procurou em si forças para<br />
revelar-lhe esta decisão, e não as encontrou. Que não faria Ângelo, quando fosse<br />
sabedor de semelhante desenlace, que importava o aniquilamento da fé imensa que<br />
enchia os eu espírito e dava ao seu afeto as proporções de um poder sobrenatural?<br />
Maurícia não teve coragem para derruir com algumas palavras o risonho<br />
castelo que o poeta levantara no coração.<br />
“Não serei eu, disse ela consigo, repassada em amargura, não serei eu quem<br />
destrua este grande amor, esplêndida ilusão, que é obra minha; que eu própria gerei.”<br />
Obedecendo a esta ordem de idéias, julgou prudente ocultar a verdade; e o<br />
fez, dando nova direção ao pensamento capital da prática encetada por Ângelo.<br />
— Senhor, eu não posso deixar de agradecer-lhe tanta solicitude.<br />
— Por que não dá o devido nome ao que chama de solicitude? Por que não<br />
lhe chama antes de amor?<br />
— Tem razão. Posso eu ser indiferente a estas demonstrações do amor, que<br />
me vota? Este amor me cativa. Dá-me prazer e orgulho. Nunca tive quem<br />
manifestasse tão afervorado afeto por mim. Encontro, enfim, a felicidade no meio da<br />
maior desventura. Não o duvide: a desventura é o meu estado atual, não obstante a<br />
grandeza que seu coração me oferece, e que é um tesouro que não tem preço. Mas<br />
o que o senhor propõe é atualmente impossível. Para escapar a companhia do meu<br />
marido há meios mais convenientes do que a fuga. Martins não lhe disse que eu lhe<br />
falara de divorciar-me por justiça.<br />
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