O Sacrifício - Unama
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Maurícia não pode suster uma interrogação, metade exprobração, metade<br />
surpresa que lhe viera à alma.<br />
— Que está dizendo, sinhazinha?!<br />
E com o olhar inflamado cobriu o rosto da menina, como quem queria de um<br />
jato de luz iluminar-lhe, não o rosto, mas sim os recantos de seu coração, e<br />
descobrir-lhe os segredos que a inocência e a pudicícia da primeira mocidade não<br />
permitiam subir aos lábios dela para se revelarem ainda que fosse a uma amiga.<br />
Sinhazinha prosseguiu:<br />
— Eu não me enganara, D. Maurícia.<br />
— Não se enganara! - exclamou Maurícia.<br />
— Não, não, D. Maurícia. O Dr. Ângelo começava a amar-me, e eu... Eu de<br />
há muito que o amava.<br />
Maurícia esteve um momento sem saber o que dizer. Faltou-lhe a voz. Seus<br />
olhos fixos sobre o rosto da moça tinham a imobilidade dos olhos dos finados; mas,<br />
quando era esta a expressão exterior do seu rosto, sentia ela no cérebro o torvelinho<br />
e o fogo precursores da loucura.<br />
— Oh! Não imagina como fui feliz durante os dois primeiros meses do meu<br />
malfadado amor!<br />
— Malfadado? — inquiriu Maurícia, respirando como quem apartava de seu<br />
peito um peso que ameaçava sufocá-la.<br />
— Eu lhe contarei tudo. O Dr. Ângelo não faltou mais de tarde em casa de<br />
seu cunhado. Aí conversávamos largas horas. Nos domingos o meu prazer não tinha<br />
limites. Eu sentia-me orgulhosa de ser a única dentre as demais senhoras que<br />
concorriam ao retiro literário para a qual o Dr. Ângelo tinha todas as atenções. A<br />
mãe dele que nos últimos tempos já entrara nas relações íntimas de D. Eugênia,<br />
acompanhava o filho, e dava particular encanto à reunião. É uma senhora de alta<br />
distinção que cativa pela sua benevolência e brandura de alma. Eu já via nela, não<br />
sei por que singular favor da minha fantasia, a minha segunda mãe, quando uma<br />
circunstância veio privar-me desta deleitosa união. Uma atriz da companhia<br />
dramática, que chegou ultimamente, trouxera para o Dr. Ângelo carta de<br />
apresentação de um literato de Lisboa. Essa atriz procurou-o no escritório e<br />
entregou-lhe a carta. Ela é bonita, D. Maurícia, como poucas mulheres tenho visto<br />
tão bonitas entre nós. Por que motivo não hei de prestar este tributo à verdade?<br />
— Por muito bonita que ela seja - disse Maurícia - não há de exceder a você<br />
em boniteza.<br />
— Quando a vi pela primeira vez no teatro, não pude fugir de render certa<br />
homenagem ao seu talento e aos seus encantos; mas o que praticou depois, o modo<br />
por que ainda procede dão-me o direito de odiá-la.<br />
Depois de um momento de silêncio, Sinhazinha continuou:<br />
— No domingo que se seguiu à apresentação dela ao Dr. Ângelo, e às<br />
primeiras representações teatrais, falou-se muito nela no sítio do Sr. Martins. O Dr.<br />
Ângelo fez-lhe os maiores elogios; o Martins mostrou-se inteiramente de acordo com<br />
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