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O Sacrifício - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Quanto lhe custou o trajeto da estação das Cinco Pontas à estrada João de<br />

Barros! Tinha o coração em aflitiva e doce ansiedade. A carruagem não rodava, voava<br />

por ordem sua, o plaustro das ninfas antigas não era mais veloz. E ele tinha razão de<br />

querer vencer a distância com a rapidez do pensamento; estava quase alucinado.<br />

Havia perto de seis meses que não sabia notícia de Maurícia, que durante esse tempo<br />

tivera quase exclusivo domínio em suas idéias. Enfim, ao escurecer, o carro parou à<br />

porta do sítio de D. Rosalina. Ângelo, tendo na mão a bolsa de viagem, saltou, quando<br />

o carro ainda não estava parado, e transpôs correndo a soleira do portão. Arbustos,<br />

que ele deixara pequenos, estavam grandes. Madressilvas novas, resedás, jasminslaranjas,<br />

que haviam sido plantados em sua ausência, formavam latadas sombrias e<br />

muitas espessas nas proximidades da porta da entrada. Os cajueiros ostentando os<br />

primeiros frutos daquele ano, recendiam aromas agradáveis.<br />

— Reconheço os aromas do cajueiro — disse ele — entrando. Como são<br />

gratos os perfumes da casa paterna!<br />

Uma afilhada de D. Matilde, por nome Joana, que ao pé de uma das janelas,<br />

se aproveitava das últimas claridades do dia para concluir a sua tarefa em uma<br />

almofada de renda, correu como louca pelo corredor a dentro, gritando:<br />

— Dindinha, Dindinha, aqui está seu Ângelo!<br />

Foi um reboliço, uma revolução, um deus-nos-acuda na casa de D. Rosalina.<br />

Por alguns momentos, pareceu que o mundo vinha abaixo. mas não estava longe do<br />

prazer o desgosto, da esperança o desespero para o infeliz homem de letras.<br />

— Dá-me notícias de D. Maurícia, minha mãe? — perguntou Ângelo.<br />

D. Matilde hesitou. Seu rosto, por onde discorria a aurora boreal de uma<br />

satisfação inesperada e inefável, seu rosto, que, sem falar, parecia dizer mil<br />

prazeres interiores, vestiu repentinamente a sombra do luto íntimo. A boca, que<br />

estava dizendo miríada de emoções, emudeceu.<br />

A mudança súbita, que Ângelo notou imediatamente, aguçou a sua<br />

curiosidade, redobrou a sua angústia.<br />

— Por que se cala, minha mãe? — inquiriu ele, mal disfarçando a<br />

contrariedade. Não me oculte nada. Li no jornal que o marido tinha morrido. Antes<br />

de tudo, diga-me se o jornal falou a verdade ou mentiu.<br />

— Falou a verdade, Ângelo — respondeu D. Matilde. Assim não tivesse D.<br />

Maurícia...<br />

— Não tivesse o quê, minha mãe?<br />

—... morrido também, Ângelo!<br />

— O quê? O que, minha mãe? — exclamou o bacharel.<br />

— Meu Deus, meu Deus! — acudiu D. Matilde. Não te impressiones com a<br />

vontade de Deus, meu filho, por mais dolorosa que te pareça.<br />

Durante alguns momentos, Ângelo não pode dizer uma palavra sequer. Véu<br />

de profunda noite descera como mortalha negra sobre o seu espírito, onde<br />

alvejavam antes roupas de noivado querido. Pôs as mãos na cabeça e, cravados os<br />

cotovelos na mesa, que tinha diante de si, no quarto, entregou-se à acerba dor que o<br />

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