O Sacrifício - Unama
O Sacrifício - Unama
O Sacrifício - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Estava neste momento presente uma senhora de sua amizade que lhe pediu<br />
cantasse. Maurícia cantou um dos mais belos pedaços do seu repertório. A<br />
felicidade voltara ao seu espírito; astro risonho começara a surgir acima do horizonte<br />
de seu coração, onde tinha reinado até então merencórias sombras. “Eu vos<br />
agradeço, meu Deus, a misericórdia que tivestes para mim”, dizia ela consigo nos<br />
longos solilóquios a que costumava entregar-se no aposento. Mas a felicidade não<br />
devera ficar somente na liberdade. Ela possuía certamente, o amor que lhe<br />
consagrava Ângelo. O pensamento de ser venturosa com ele rebentou pujante. Fora<br />
contrariado por suas declarações, que ele tomara a resolução de exilar-se para o<br />
centro da província. Tudo, pois, a levava a acreditar no sentimento do bacharel a<br />
seu respeito. Por isso, não podendo mais resistir ao mais natural desejo de ser feliz,<br />
assentou de escrever-lhe para que voltasse ao Recife, onde poderiam realizar o seu<br />
sonho de tantos meses.<br />
Estava já com a pena na mão, quando vieram dizer-lhe que duas senhoras<br />
queriam falar-lhe. Maurícia desceu. e qual não foi a sua surpresa deparando-se<br />
Sinhazinha e D. Sofia, que vinham dar-lhe condolências pela morte de Bezerra.<br />
Sinhazinha estava pálida, e quase disforme. A dor moral fizera da sua<br />
juventude uma ruína. Abraçando-se com Maurícia, a menina não pode suster as<br />
lágrimas.<br />
— Oh! a amizade na terra é uma ilusão! Não há amizade verdadeira. O que<br />
se apresenta com este nome não passa de vã cortesia que praticam pessoas de<br />
educação.<br />
— Não é tanto assim, Sinhazinha.<br />
D. Sofia deu força ao pensamento da filha, acrescentando algumas palavras<br />
acerbas.<br />
Foi curta a visita. Ao sair, Sinhazinha, por palavras impregnadas de<br />
ressentimento, deu a entender que suspeitava o amor de Maurícia, e que esse amor<br />
era o inimigo do seu. Maurícia, sem saber a princípio o que responder, pode, enfim,<br />
defender-se, dizendo que Sinhazinha estava enganada; que ela já não era para isso;<br />
que só na prosperidade de Virgínia fazia consistir a sua, nem queria outra ainda que<br />
lhe fosse fácil alcançá-la.<br />
Maurícia subiu ao seu aposento, levando inesperadas amarguras na alma.<br />
Tinha passado alguns dias nos braços de uma ilusão inefável; algumas manhãs<br />
haviam surgido cheias de luzes e visões feiticeiras aos seus olhos; algumas noites<br />
tinha levado em claro, enamorada dos castelos, que a esperança lhe levantara na<br />
imaginação. Mas tudo caía por terra. A presença da filha de D. Sofia, seu<br />
emagrecimento, sua tristeza, seu desânimo, suas queixas, suas lágrimas, tinham<br />
destruído, como se fossem vendavais, as flores que estas manhãs se mostraram<br />
toucadas, como as jovens de Anacreonte. Por uma singular generosidade de sua<br />
alma, Sinhazinha se lhe afigurou uma segunda filha. O sentimento maternal que<br />
lograra alcançar a felicidade para Virgínia, ela o sentiu despertar no coração para<br />
favorecer aquela desconsolada menina, cujas qualidades morais tinha na melhor<br />
conta. Doeu-lhe que fosse ela que concorresse de qualquer modo para destruir o<br />
futuro da meiga criatura e aos seus próprios olhos envergonhou-se de pensar em ser<br />
feliz à custa do amor dessa mulher que no mais apertado transe procurara a sua<br />
proteção. Pareceu-lhe que, se levasse por diante a resolução, nenhuma senhora de<br />
sua amizade, ninguém que a conhecesse teria para ela outro epíteto que o de -<br />
pérfida! Esta ordem de idéias acovardou Maurícia. Há, ainda, posto que sejam raros,<br />
86