O Sacrifício - Unama
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era Virgínia a encarregada de proceder à leitura, encargo que ela preenchia com a<br />
habilidade de graça que lhe davam lugar tão distinto no seio da família. Depois de<br />
jantar, saíam a passeio pelo cercado e não paravam senão na casa-grande, onde<br />
Paulo se lhes fazia juntar, e com elas se demorava até tomarem chá.<br />
Fazia já doze dias que Bezerra se ausentara, quando Sinhazinha entendeu<br />
que era chegada a ocasião de dizer a Maurícia o que especialmente a tinha levado<br />
ao engenho. Para realizar este pensamento, aproveitou-se de uma manhã em que<br />
Virgínia fora à casa-grande a chamado de D. Carolina a fim de lhe cortar uns<br />
vestidos. Sinhazinha amanhecera nesse dia mais pesarosa do que ordinariamente<br />
se mostrava todas as manhãs. Chegou-se para junto de Maurícia, que nesse<br />
momento tinha um papel de música na mão e se encaminhava para o piano.<br />
— Faz tanto tempo que estou aqui — disse ela — e ainda a senhora não se<br />
lembrou de pedir notícias do Dr. Ângelo, que era tão amigo desta casa.<br />
Ouvindo estas palavras que lhe desceram improvisas no coração, Maurícia<br />
sobresteve inopinadamente. O nome do bacharel soava sempre aos seus ouvidos<br />
como uma nota de harmonia misteriosa e terrível que primeiro lhe penetrava na alma<br />
do que nos sentidos.<br />
— É verdade, Sinhazinha — respondeu. Que novas me dá dele?<br />
E foi sentar-se ao lado da amiga no sofá, atraída pelo assunto que lhe<br />
oferecia indizível encanto.<br />
Sinhazinha que, como todos, ignorava as relações que Ângelo e Maurícia<br />
tinham por alguns dias sustentado com a maior das lutas para esta e o maior dos<br />
prazeres para aquele, não guardou a menor reserva nas suas revelações. Era muito<br />
jovem ainda e tinha a maior confiança na mãe de Virgínia à qual se sentia presa por<br />
laços de irresistível simpatia e admiração.<br />
Contou que Ângelo estava morando com a mãe e os irmãos em casa da tia;<br />
que nos primeiros tempos depois da chegada andara triste e desalentado; que<br />
cobrara tédio, à vida, segundo lhe parecia a ela, e emagrecera e se tornara<br />
pensativo e reservado; que raras vezes surdia pela casa de Martins.<br />
— Nunca se lhe ofereceu a você ocasião de lhe falar, Sinhazinha? —<br />
perguntou Maurícia.<br />
— Isto foi nos primeiros tempos depois que chegou a povoação como já<br />
disse. Uma tarde, estava eu no portão sem mamãe, quando vi o Dr. Ângelo apontar<br />
na estrada. Quando eu cuidava que ele ia entrar no sítio do Sr. Martins,<br />
encaminhou-se para o ponto, onde me vira. Falou-me, perguntou-me por mamãe e<br />
seguiu logo depois. Estava melancólico. O luto, que trazia pela morte do pai,<br />
contrastava com a sua palidez. Na tarde seguinte, ele passou outra vez à mesma<br />
hora e falou comigo. Quis entrar, mas depois desculpou-se dizendo que se<br />
equivocara, e tomou para a casa de D. Eugênia. À noite, eu e mamãe nos reunimos<br />
aí. O Dr. Ângelo ainda lá estava. Seriam onze horas quando saímos. Não pude<br />
dormir. A imagem do Dr. Ângelo ocupava todo o meu entendimento. Eu notara da<br />
parte dele certa inclinação para mim que se casava com a que eu sentia por ele<br />
desde que comecei a conhecê-lo.<br />
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