O Sacrifício - Unama
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Duas conveniências os tinham levado a ajuntar-se novamente: Maurícia<br />
sacrificava-se pela filha; Bezerra, o que queria era um meio de vida e as perspectiva<br />
de um futuro melhor. Ao princípio, chegara a acreditar na possibilidade despertar no<br />
coração da mulher a afeição que, verdadeiramente falando, aí nunca existira. Mas as<br />
freqüentes recusas, objeções e lágrimas de Maurícia convenceram-no de que, se a<br />
primeira parte de sua esperança não estava longe de realizar-se, a última era de<br />
todo o ponto irrealizável. Esta convicção trouxe-lhe certo descontentamento, mas<br />
não o levou a considerar-se de todo infeliz. Tal momento houve em que pensou<br />
conseguir para o tempo adiante o que atualmente lhe parecia de difícil aquisição, a<br />
saber, a graça da mulher. Eram estas as idéias em que se deixava absorver, quando<br />
achou no caminho a carta escrita por Ângelo. Houve, então, uma revolução em seu<br />
interior, que ocasionou notável mudança no que ele trazia assentado no raciocínio.<br />
Nesse documento, viu não só a prova de um crime dela, mas, também, o<br />
testemunho irrefragável da desgraça dele. Teve ímpeto de meter uma bala na<br />
cabeça do homem, que armava ciladas à sua honra, e um punhal no coração da<br />
mulher que a não sabia guardar devidamente. O primeiro impulso foi considerar o<br />
dito por não dito, o feito por não feito, desaparecer dos olhos de Albuquerque e tratar<br />
de sua vingança, exclusivamente.<br />
Pensava em tudo isto ao entrar na casa-grande. Deparando-se-lhe com<br />
Virgínia, que o fora receber com afabilidade carinhosa, sentiu-se mais fraco ainda de<br />
que estava. Havia de dar um passo que redundasse na desgraça de sua filha? —<br />
“Não!” — tal foi a resposta que encontrou em si mesmo como revelação do<br />
sentimento que atualmente predominava em seu coração.<br />
A primeira demonstração de Bezerra para sua mulher tanto que se viu a sós<br />
com ela, não foi de amor, mas de rigor. Maurícia, entretanto, nunca se mostrara tão<br />
formosa, posto que a tristeza íntima a devesse trazer abatida no exterior. Quando<br />
ela fugira da companhia do marido, estava magra, angulosa e feia.<br />
Mas não foi o mesmo esqueleto, a mesma múmia egípcia o que ele veio<br />
achar em Pernambuco; foi sim, uma beleza adorável, que, pelo completo<br />
desenvolvimento, parecia ter tocado a meta das proporções que devem ter, no ponto<br />
mas elevado das suas graças, as belezas plásticas. Naquela noite trazia ela vestido<br />
de escumilha azul cor de céu, apanhado de arregaços das cavas para as ombreiras<br />
com tranças e brilhantinas.<br />
— Não sei se sabe — disse-lhe ele, pegando-lhe da mão com certas mostras<br />
de autoridade ameaçadora, não sei se sabe que tenho em meu poder um terrível<br />
documento contra a senhora.<br />
Maurícia, julgando reconhecer no semblante do marido, até àquela hora<br />
risonho, a expressão de arrogância, que lhe era habitual nos tempos em que vivera<br />
com ela, sentiu coar-lhe pelos membros o frio da morte.<br />
— Contra mim o senhor não pode ter nenhum documento, nenhuma prova<br />
que mereça fé.<br />
— Talvez não houvesse chegado às suas mãos o que eu tenho nas minhas;<br />
mas que ele faz grande prova contra a senhora, não há que duvidá-lo.<br />
— Sei que alude a uma carta. Eu a tive em minhas mãos, mas a não cheguei<br />
a abrir. Joguei-a fora, sem a ler. A sua asseveração é, portanto, inexata.<br />
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