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O Sacrifício - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— A senhora tem um apaixonado. Tratava de fugir com ele, e se o não fez,<br />

não foi porque lhe repugnasse esse passo, mas porque talvez compreendesse<br />

quanto ele era falso e perigoso.<br />

— O homem que escreveu tal carta poderá amar-me, mas não é nada meu.<br />

Vi-o uma vez em casa e meu cunhado, e outra na povoação. E que culpa tenho eu<br />

de que ele escrevesse essa carta? Que mulher pode estar livre de que alguém lhe<br />

escreva? Mas o que me espanta em suas palavras é que o senhor as tenha tão<br />

cruas e desamorosas para mim depois de três anos de separação, depois de mil<br />

esforços empregados ultimamente para que tal separação cessasse.<br />

Dizendo estas palavras, Maurícia soluçava.<br />

— Espanta-se de que eu procure tomar-lhe contas? Não terei este direito?<br />

Não me pertence fazer uma interrogação ao passado? Vindo novamente para minha<br />

companhia, julgaria a senhora que continuava sem um juiz para os seus atos?<br />

— O que eu julguei, acedendo aos votos da minha filha, por bem da sua<br />

felicidade, foi coisa diferente, e sempre o disse, porque nunca, depois de separada<br />

do senhor, me iludi jamais acerca dos seus sentimentos; o que eu suspeitava<br />

encontrar no senhor, vim encontrar por desgraça minha. Eu quisera ter diante de<br />

mim o juiz, severo embora; o que tenho é o mesmo inimigo, o mesmo carrasco dos<br />

meus primeiros anos de casada.<br />

Maurícia quis levantar-se, mas Bezerra por um gesto de violência a reteve na<br />

cadeira que ela ocupava ao lado dele.<br />

— É cedo ainda para se levantar, Maurícia — disse-lhe. Tenho algumas<br />

palavras que lhe dizer. É minha vontade que a senhora nunca mais veja esse homem.<br />

— Quer, então, que eu não ponha mais os pés em casa de minha irmã?<br />

— Quero-o, se for isto necessário para que a minha vontade se cumpra.<br />

— Pois eu o farei. Hei de levar ao fim sem pesar o meu sacrifício.<br />

— Não sou tão mau, como já fui — tornou Bezerra, tirando de um dos bolsos<br />

da calças um papel dobrado. Olhe. Aqui está a carta que lhe foi dirigida. Vou queimála<br />

para lhe ser agradável. Isto quer dizer que aceito sua justificação. Certo, nenhuma<br />

mulher está isenta de que algum insolente lhe dirija epístolas desonestas. Dou pela<br />

sua defesa. É um indulto que lhe quero conceder no meu segundo noivado.<br />

Bezerra chegou a carta à vela que ardia dentro de um candelabro sobre a<br />

mesa no meio da sala e atirou-a inflamada no chão.<br />

— Havia nesse papel palavras tão infames que nunca a senhora as devera<br />

saber; tão infames são elas que, se outrem as pudesse vir a ler, talvez fosse isso<br />

motivo para que eu me atirasse no caminho do crime, a fim de desafrontar-me.<br />

Façamos agora as pazes. Maurícia.<br />

Bezerra conchegou a mulher com ambos os braços ao seu peito, e deu-lhe<br />

um beijo na boca. Quando retirou os lábios, trazia-os úmidos de lágrimas da infeliz.<br />

Dentro de pouco mais de um mês, começou Maurícia a notar a frieza do<br />

marido, acompanhada de circunstância que parecia terem com ela a maior ligação.<br />

A filha de Januária. que quase nunca passara além da meia-água, atravessava<br />

agora o restante do pátio do engenho várias vezes, durante a semana e passava<br />

pela porta da casa, onde ela morava. Um dia, chegou a perguntar a um moleque do<br />

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