O Sacrifício - Unama
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www.nead.unama.br<br />
músicas sacras, estavam traindo de parte dela certo desejo, certo empenho em ser<br />
mais agradável ao amor profano do que ao amor divino. Maurícia cantava<br />
exclusivamente para Ângelo ouvir; a vaidade tomara lugar da devoção.<br />
Terminados os versos, ela veio sentar-se ao lado de Ângelo, junto de uma<br />
janela, enquanto as outras moças, que se haviam mostrado mal ensaiadas, ficaram<br />
ainda ao pé do piano para repetir o estribilho.<br />
— Por que falou tão friamente com Sinhazinha? — perguntou Maurícia ao<br />
bacharel a meia voz. Há três meses não lhe falava assim.<br />
— Quem lhe disse que eu falava de outro modo?<br />
— De tudo, ando informada. A paixão tem linguagem mais viva ao seu<br />
serviço.<br />
— Nunca senti paixão por Sinhazinha.<br />
— Para que diz isto? Não desça do lugar que já ocupou no altar do seu<br />
coração aquele delicado ídolo.<br />
— Quem lhe disse o contrário, faltou à verdade, D. Maurícia. Eu só senti uma<br />
paixão na vida; essa existe ainda tão veemente, tão profunda como nos primeiros<br />
tempos.<br />
Maurícia sorriu tristemente.<br />
— Cuida o senhor que, por estar morando distante duas léguas do Recife,<br />
não sei dos seus passos? Sinhazinha tem-lhe uma grande inclinação, que o senhor<br />
ainda retribuiria como nas primeiras semanas, se os seus trabalhos dramáticos não<br />
lhe tivessem voltado inteiramente a cabeça para o teatro, a ponto de o tornarem<br />
esquecido das suas mais íntimas afeições.<br />
— Sei ao que pretende aludir — respondeu Ângelo, algum tanto contrariado.<br />
Foi tudo isso um sonho de poucos meses. Está tudo acabado.<br />
— Não diga isso. Não é possível o que está dizendo. As paixões não se<br />
desvanecem como os sonhos. Aquelas que assim se desvanecem não são paixões,<br />
são pretensões materiais e falazes, são desejos desprezíveis que só podem ter<br />
morada em ânimos frívolos, em almas vulgares. Eu não compreendo as paixões<br />
deste modo. Eu as comparo com incêndios que ordinariamente terminam depois das<br />
grandes destruições, não deixando lama, senão cinzas.<br />
Ângelo respondeu: — Nunca senti paixão por essa mulher, nem por<br />
Sinhazinha. A maior, a única que ainda me tomou na vida foi a que a senhora me<br />
inspirou. Esta existe ainda; existirá sempre.<br />
— O senhor está enganado - disse Maurícia, sorrindo ironicamente.<br />
— Enganado! Pensa que, se não fora a senhora, eu estaria aqui?<br />
— Mas para que há de ser ingrato e injusto? Veja Sinhazinha como o procura<br />
com a vista. Ela tem direito a retribuição diferente desta. Demais, por que há de insistir<br />
em avultar um castelo que, se existe na sua imaginação, não tem alicerces no seu<br />
coração? Declaro-lhe positivamente, Sr. Dr. Ângelo, que não creio em sua paixão por<br />
mim; mas, ainda quando esse impossível sentimento não fosse a trivial ilusão, que<br />
suponho, crê o senhor que eu poderia alimentá-lo? Sou escrava do meu dever.<br />
— Pois sim, sim — respondeu Ângelo com maus modos. Não falemos mais<br />
nisso, minha senhora.<br />
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