O Sacrifício - Unama
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nem foram esquecidos na prática amiga os seus hábitos, os seus desejos, as suas<br />
inclinações. Para tão larga expansão não contribuiu pouco estarem sós, visto que D.<br />
Rosalina tinha saído com sua irmã e as crias a passeio pela arrabalde.<br />
Quando Ângelo penetrando na sala, deparou ao lado de D. Matilde a mulher<br />
que te novo começava a ter em seu pensamento o primeiro lugar depois de sua<br />
mãe, empalideceu e emudeceu um momento com o inesperado abalo. Vendo-o<br />
perplexo, Maurícia levantou-se, encaminhou-se para ele e estendeu-lhe a mão, que<br />
ele tomou com solicitude.<br />
— Não se admire de me ver aqui, disse ela. Não se lembra de que,<br />
conversando comigo em casa de meu cunhado — vai para seis meses — declarou<br />
que teria prazer em aproximar-nos? Apressei-me em proporcionar-lhe esse prazer.<br />
A esta amabilidade, que parecia vir do intrínseco da alma de Maurícia,<br />
correspondeu Ângelo com amabilidade senão tão íntima, certo de não inferior<br />
cortesia.<br />
— Assim praticando a senhora acaba de escravizar ainda mais o meu<br />
coração, já tão escravo dos seus dotes; e o prazer que havia de experimentar<br />
aproximando minha mãe da senhora, duplicou-o não só a fineza, mas também a<br />
honra de sua visita.<br />
À tardinha, Ângelo e D. Matilde acompanharam Maurícia para a casa de<br />
Martins e aí ficaram para o chá. Era um dos primeiros dias de dezembro; no dia<br />
seguinte deviam começar as novenas da Conceiçãozinha. Maurícia tinha sido<br />
convidada pelos juizes da festa a cantar uns versos compostos pelo benemérito<br />
poeta pernambucano Torres Bandeira.<br />
Por motivo de moléstia, Virgínia não tinha acompanhado a mãe ao Recife;<br />
mas depressa deveria vir, logo que melhorasse, a fim de tomar parte na solenidade.<br />
Na casa de Martins, iam repetir-se os suaves regozijos de que era todos os<br />
anos, por aquele época, natural estância, visto ficar perto da capelinha e ser durante<br />
o ano o centro onde se ajuntavam as primeiras famílias das vizinhanças. Havia na<br />
sala umas dez ou doze senhoras, entre as quais as nossas conhecidas D. Rosa, D.<br />
Sofia, Iaiá, Sinhazinha, D. Teodora e sua filha Teresinha. Não eram muitos os<br />
homens. Se levarmos em conta Ângelo e Martins, mostrava-se o irmão de<br />
Sinhazinha, por nome Alfredo, que tinha especial motivo de estar ali — andava<br />
arrastando asa para a Iaiá; um moço empregado em uma das repartições públicas,<br />
Honório Lins, que pela segunda vez viera à casa de Martins; e por último o mestre<br />
de piano, o Silvério, muito estimado da melhor sociedade do Recife. O Salustiano,<br />
de quem os leitores talvez se lembrem ainda, prometera comparecer, mas faltara,<br />
receando acaso as judiarias de alguns estudantes dos quilates do Azevedo, que seis<br />
meses antes tantos risos despertara à custa dele.<br />
Tinham se reunido as senhoras para proceder ao ensaio geral dos versos que<br />
deviam ser cantados na noite seguinte. Chegando o momento de dar-se começo ao<br />
piedoso exercício, as moças encaminharam-se para o piano. Já ali estava Silvério<br />
que com mágicos prelúdios abafou o farfalhar das saias ruidosas das cantoras.<br />
Então, Maurícia começou a cantar. Dir-se-ia que na longa ausência sua voz<br />
fizera aquisição de novas harmonias até àquele momento desconhecidas dos ecos<br />
da estrada. Essas harmonias tinham sentimento e grandeza. O motivo era religioso,<br />
mas os tons de certas profanidades afetiva, a frescura e a vivacidade que não<br />
parecem muito compatíveis com os graves acentos e a morna languidez das<br />
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