O Sacrifício - Unama
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entanto, são sentenças cruéis, que vêm aumentar a aridez de minha alma, já<br />
queimada pelo fogo de tantos desenganos.<br />
— A sua ilusão, Sr. Dr. Ângelo, tem um falso fundamento. Pensa o senhor que<br />
eu estou livre, quando eu sinto ainda pungir-me o pulso a cadeia de ferro, que me<br />
prende a meu marido, e não se partirá senão com a morte de um de nós dois. Eu não<br />
estou livre, continuo a ser a escrava infeliz, que, embora na ausência de seu senhor,<br />
sente, ao pensar na sua mísera condição, a ponta do azorrague machucar-lhe as<br />
carnes. Hoje, é muito mais melindrosa a minha situação do que antes do casamento<br />
de Virgínia; o senhor compreende sem dificuldade que a uma filha casada tem sua<br />
mãe muito mais rigoroso dever de dar exemplos de honestidade, do que a uma<br />
solteira, do que a uma donzela, que traz em sua condição parte de sua defesa. Não é<br />
certo que a corrupção chega muito mais facilmente, porque chega sem deixar<br />
vestígios, ao seio da consorte do que ao seio da virgem? Não tenha mais nenhuma<br />
ilusão a meu respeito. Estou morta para o amor, a não ser para o amor maternal.<br />
Estas palavras levaram o gelo à alma do bacharel, que estava em fogo um<br />
momento antes. Ele parou. O luar cobria-os de suave claridade, que ajudou Maurícia<br />
a distinguir no semblante de Ângelo indícios de íntimo desespero.<br />
— Mas, então, disse ele como quem não achava palavras para exprimir com<br />
precisão as suas idéias, por que de lá mesmo onde estava, não cortou com decisivo<br />
e rude golpe esse amor parasita que me corrói o coração? Por que me escreveu a<br />
senhora? Por que teve para mim nessa carta expressões que se parecem com<br />
saudáveis confortos e promessas de prazer eterno? Tenho aqui comigo a sua carta.<br />
Muitos e ardentes beijos têm meus lábios imprimido nela.<br />
Ângelo tirou do bolso a carta que Maurícia lhe enviara com a tradução do<br />
romance de George Sand, e o acompanhamento da poesia dele; e sem poder suster<br />
o seu destino, beijou várias vezes o papel.<br />
— Meu Deus! — exclamou Maurícia a modo de assustada. Peço-lhe perdão,<br />
mil perdões. Não cuidei que alentaria assim o fogo do seu coração. Deus é<br />
testemunha de que, escrevendo-lhe essas letras, a minha intenção foi outra. Julgava<br />
todo o seu afeto por mim extinto, inteiramente aniquilado; e tinha razão para pensar<br />
assim. Mas, se as minhas palavras foram sementes fatais que vieram viver entre as<br />
chamas como as salamandras, não me recuse o seu perdão, porque cometi esse<br />
crime sem intenção, antes pensando em praticar ação lícita e boa.<br />
E tomando novamente o braço do bacharel, compeliu-o a andar. Pouco<br />
adiante, estavam parados os outros.<br />
— Tenho uma coisa que lhe dizer, D. Maurícia, acudiu Sinhazinha, tanto que<br />
pode ser ouvida pela mãe de Virgínia.<br />
E correu para ela, gentilmente. Ângelo, deixando então as duas amigas<br />
juntas, foi dar o braço a D. Matilde. Daí, voltaram.<br />
O que Sinhazinha queria dizer à Maurícia é fácil adivinhar. Ela soubera<br />
naquele momento da ausência da rival. D. Matilde, que votava grandes simpatias à<br />
filha de D. Sofia, revelara-lhe a sua satisfação por ver o filho livre do perigo. É fácil<br />
compreender o efeito de tal revelação no espírito, para assim dizermos, no coração<br />
da menina. Ela andava triste. Aquelas aventuras tinham-lhe dado muito fel a beber.<br />
Durante os dois meses que se seguiram à sua chegada do engenho o seu desgosto,<br />
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