15.04.2013 Views

O Sacrifício - Unama

O Sacrifício - Unama

O Sacrifício - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

casa, varrer a sala, espanar os móveis e os livros, receber e entregar os autos.<br />

Chamava-se Jacinto.<br />

Notando Martins que, sendo onze horas da manhã, Ângelo não estivesse<br />

ainda no escritório, o Jacinto respondeu:<br />

— Nem virá tão cedo.<br />

— Demora-se muito?<br />

— Só estará aqui por volta das duas horas.<br />

— Mas isto não acontece todos os dias — advertiu Martins.<br />

— Todos os dias — tornou Jacinto.<br />

— Até agora, quero dizer, há três meses atrás não era assim. Nunca deixei e<br />

encontrá-lo no escritório depois das nove e meia.<br />

— Já lá se foi esse tempo. Agora, o doutor vive mais para as atrizes e os<br />

espetáculos que para as partes e os autos,<br />

Martins, bom amigo, não quis alentar o diálogo sobre assunto tão escabroso.<br />

Demais, ele nada ignorava do que lhe dizia o ajudante, ou antes o servente de<br />

Ângelo. O Jacinto, porém, que tinha o vezo de dar com a língua nos dentes,<br />

prosseguiu sem se importar com a reserva de Martins.<br />

— Isto não vai bem. O doutor não despacha os autos, e não ouve as poucas<br />

partes que ainda o procuram. Se o senhor se demorar algum tempo, há de ver<br />

protocolistas virem buscar os papéis retardados, e voltarem ainda desta vez sem<br />

eles. O doutor está precisando de conselhos. Se o senhor é seu amigo, não deixe de<br />

dá-los.<br />

— Voltarei às duas horas — tornou Martins. Se, na minha ausência, Ângelo<br />

aparecer, diga-lhe que espere por mim.<br />

— Não tenha susto. O senhor há de vir e de esperar ainda por ele.<br />

Martins desceu, sentindo longes de tristeza na alma. Era um homem que<br />

devia ao menos gratidão a Ângelo que fazia dele tão boas ausências.<br />

No pé da escada um oficial de justiça estava conversando com um procurador<br />

de causas. O primeiro dizia que Ângelo lhe devia ainda uma dezena de intimações<br />

atrasadas; o segundo viera cobrar o restante de um débito, proveniente de trabalhos<br />

que o jovem bacharel o encarregara fora da cidade. O procurador dizia ao oficial:<br />

— O dinheiro que o homem apanha é pouco para comédias, presentes,<br />

passeio a carro e outras loucuras.<br />

O oficial respondeu ao procurador:<br />

— Um dia destes tive em minhas mãos um requerimento chamando-o a<br />

conciliação por trezentos mil-réis que ele deve ao Pereira, que tem loja de fazendas<br />

na Rua do Queimado. Não quis encarregar-me da citação para o doutor não dizer<br />

que, se ele não me devesse, eu não me animaria a citá-lo.<br />

Ainda quando Martins não formasse do estado de Ângelo o juízo mais<br />

aproximado, estes esboços feitos a carvão, como os desenhos obscenos dos<br />

moleques nas paredes, foram mais que bastantes para que de tal estado não lhe<br />

restasse a menor dúvida.<br />

73

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!