O Sacrifício - Unama
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Ângelo em vão procurou o alvo indicado pelo amigo. Foi para ele um ponto<br />
inacessível, invisível, um mistério impenetrável. O que em seu entendimento<br />
desenhou-se imediatamente com as mais vivas tintas foi a imagem de Maurícia tal<br />
qual a vira ele na tarde rica de encantos e ilusões em que fora com ela do Caxangá<br />
até a porta do engenho. Lembrou-se das cenas vivas, das frases apaixonadas, dos<br />
castelos brilhantes que depressa se haviam desvanecido como neblinas. Teve<br />
saudades daquela criatura esplêndida, que ele durante os quatro últimos meses<br />
odiava e desprezava.<br />
Martins tirou-o do seu enleio com estas palavras:<br />
— Estamos em vésperas de dezembro.<br />
— Quererás dizer que ela vem passar todo o mês, que vai entrar, na estrada<br />
de João de Barros?<br />
— Não, Ângelo. Ela vem ensaiar os versos que deve cantar por ocasião das<br />
novenas da Conceiçõazinha, as quais prometem este ano ser esplêndidas. Não hás<br />
de faltar.<br />
— Quais são as cantoras?<br />
— As que costumam cantar todos os anos, as nossas vizinhas mais próximas-<br />
Iaiá, Sinhazinha e outras. Aposto que não sabes mais quem é Sinhazinha -<br />
acrescentou com ares brejeiros.<br />
— Hei de reconhecê-la, hei de reconhecê-la — tornou Ângelo, não sem rápida<br />
perturbação.<br />
Então, Martins, trocando os ares de há pouco pelos que assumem as pessoas<br />
picadas que repelem a palavra ou gesto ofensivo, redargüiu:<br />
— Pois não hás de reconhecê-la, Ângelo. Tu a puseste a um passo da<br />
sepultura.<br />
— Eu?<br />
Martins saiu, deixando o amigo absorto em mil conjeturas, que revoavam<br />
entre a forma de Maurícia e a da filha de D. Sofia como bandos de irrequietas aves,<br />
mensageiras de próximas tormentas, tão naturais nos corações humanos.<br />
CAPÍTULO XVII<br />
Compreendendo Maurícia quanto devera custar a Ângelo aproximar-se dela<br />
depois dos fatos passados nos últimos meses, tomou a resolução de ser a primeira<br />
que fosse ao seu encontro; e, na mesma tarde da entrevista dos dois amigos no<br />
escritório, dirigiu-se à casa de D. Rosalina com o fundamento de visitar D. Matilde,<br />
mãe do bacharel.<br />
D. Matilde era um tesouro de afetos e qualidades raras, entre as quais<br />
primava a naturalidade nas palavras e ações, que muitas vezes vale mais que a<br />
urbanidade, prenda dos espíritos cultos, mas nem sempre indício de bom coração.<br />
Se na visita houve pretexto, houve também o desejo que Maurícia alimentava,<br />
desde que vira Ângelo, de conhecer D. Matilde.<br />
A visita foi motivo de prazer para as duas senhoras. Como se de há muito as<br />
ligara forte laço de afetuosa e provada amizade, a maior franqueza e mais larga<br />
confiança animaram a conversação. Falaram de si e dos entes que mais estimavam<br />
na terra; falaram dos seus infortúnios, da sua descrença e das suas esperanças;<br />
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